04-01-2021, 07:55 PM
12. A dinâmica psicológica do encantamento e da feitiçaria
Em 25/07/00, 31/07/00 e 09/11/00
O que os supersticiosos chamam de enfeitiçamento corresponde, psicologicamente, à fascinação da consciência. Ambos serão considerados aqui como uma só coisa e não como duas coisas análogas. O enfeitiçamento é uma forma de fascinação extremada, exarcebada. Por isso os feit iceiros necessitam da crença de suas vítimas em seu poder de matar ou fazer adoecer. Uma pessoa absolutamente cética é imune ao poder de um feiticeiro.
Se um cético for enfeitiçado, isso indica que seu ceticismo não foi absoluto, que houve uma vacilação inconsciente. O mesmo processo se verifica na sedução. Uma mulher é invulnerável ao poder de um sedutor quando não crê que ele tenha algo que lhe interesse e, por extensão, o poder de atraí-la. Entretanto, algumas vezes cremos estar invulneráveis ao poder de alguém em um primeiro momento e, em outra situação, o surgimento de algo novo e ainda não conhecido por nós faz a convicção anterior ruir.
Então ficamos vulneráveis. O encantamento requer o conhecimento prévio das debilidades de quem vai ser encantado. Não é possível que alguém seja encantado em uma direção contrária à de suas fraquezas. O encantamento apenas ocorre na direção das fraquezas previamente existentes, sejam elas conscientes ou inconscientes. Trata-se, portanto, da instrumentalização ou aproveitamento de impulsos que já existiam: uma forma perversa de se aproveitar das fraquezas do próximo e violentar seu livre arbítrio.
O encantador identifica e excita os impulsos e instintos em sua vítima até levá-la a um estado alterado de consciência. A profundidade da alteração dependerá da natureza de cada um e do grau de exposição. Todos temos fraquezas. Essas fraquezas correspondem à nossa fascinação louca por algumas coisas em detrimento de outras.
Os objetos dessa fascinação são os instrumentos de submissão a um inimigo astuto. Os crimes e as matanças que assolam o mundo se devem à fascinação da consciência por um objeto, um alvo, uma meta. É o maior perigo psíquico que pode nos acometer porque é a debilitação da vontade levada ao extremo. O poder do feiticeiro consiste em fazer com que sua vítima entre em um estado alterado de consciência através do medo. Seus ritos visam aumentar o poder de impressionismo e impactar psiquicamente o inimigo.
O poder é intensificado quando o bruxo se entrega a uma possessão por complexos autônomos altamente densos. Após inúmeras crueldades e tormentos inflingidos a si próprio e a outras pessoas ou animais, o bruxo realiza dentro de si o mal. Então, possesso, comunica a sua vítima o que fez por canais conscientes ou inconscientes. Sua expressão, entonação vocal, gestos corporais e atitudes horríveis impactam a vítima emocionalmente e debilitam sua razão e vontade. A mesma se abre a suas influências "diabólicas" e sofre igualmente uma possessão por elementos psíquicos inumanos que jaziam em seu inconsciente. Ocorre um choque psicossomático.
A pessoa somatiza violentamente o medo e morre ou adoece. A primeira solução para não ser vulnerável à bruxaria é não temê-la. Por isso os religiosos devotos são invulneráveis. Entretanto, se esse os mesmos forem fanáticos, serão vulneráveis aos encantos e maldições de sua religião, podendo ser por eles encantados, manipulados e atingidos.
A fascinação brutal da consciência corresponde aos perish of soul estudados por Jung. A pessoa perde sua "alma" habitual e é possuída por outra "alma" demoníaca, ou melhor, um pedaço fragmentado e autônomo de alma que aguardava nas profundidades de sua própria psique para se manifestar. A consciência é violentada por um primitivo e grotesco agregado psíquico do inconsciente.
Não há nisso nada de místico, fantástico ou mágico. São fenômenos empiricamente constatáveis. Em pequena escala, o encantamento está presente em nosso cotidiano a todo momento. As palavras que emitimos, as roupas que usamos e tudo o que fazemos possuem o poder de provocar nos demais determinados sentimentos dos quais não podem fugir. A palavra, os assuntos abordados e conversas, a entonação vocal, as atitudes e os olhares são meios de instalação de afinidade simpática com elementos psíquicos que habitam o interior da psique e aguardam por uma oportunidade de expressão. Todos somos, de um modo ou de outro, vítimas das circunstâncias.
Elas definem o que iremos sentir e pensar e até fazer. Isso prova que somos enfeitiçados a todo instante. Quando alguém nos ofende, não temos normalmente o poder de não nos sentirmos ofendidos: estamos enfeitiçados. A fascinação ocorre sempre com a colaboração inconsciente da vítima. Ela a sofre por não saber como se isolar das forças hipnóticas do outro. Quando duas pessoas com desejos do mesmo tipo se unem, a de maior vontade absorve e manipula a vontade da mais fraca e a domina.
O mesmo fenômeno se verifica em círculos sociais de vários tipos. Sempre há uma hierarquia de poder na absorção da vontade alheia. Esses são outros modos de encantamento. Todo ato é fascinador e hipnótico porque provoca efeitos na psique do próximo. O poder das caras feias e palavras hostis em causar desconforto é uma prova disso. Há uma dinâmica hipnótica nas relações sociais.
Os homens tendem a reagir mecanicamente uns aos outros. Não são poucas as vezes em que somos forçosamente induzidos a ter emoções indesejáveis. Contra a nossa vontade, somos lançados, a partir de atitudes alheias, a certos estados de sentimento. A loucura e a exaltação passional são formas de embriaguês fascinatória. Observando uma pessoa podemos saber em que direção flui sua libido. É nessa direção que se dá a queda da pessoa em uma loucura. Entretanto, nem todo encantamento é mau.
Há casos em que ele é benéfico. Ex: conversão religiosa de malfeitores. Quando trabalhamos a nossa psique, o efeito fascinatório das imagens externas e internas diminui pouco a pouco sua influência. Então a força vampirizada nesse processo, desperdiçada em coisas inúteis ou até perigosas, pode nos servir para auto-curas e auto-regeneração interna. Encantamento, enfeitiçamento, fascinação e hipnose são vários nomes dados a uma só coisa e não a coisas distintas e análogas. Quando detestamos algo ou alguém estamos, sem o saber, negativamente fascinados ou hipnotizados por imagens ligadas a tais elementos. Existe uma relação analógica entre os procedimentos mágicos e os seus resultados.
Os ritos de feitiçaria e seus impactos sobre as vítimas possuem uma similaridade simbólica demonstrável pela análise cuidadosa. Isso aponta para a relação psíquica que há entre ambos. Ela se dá, em sua maior parte, em níveis inconscientes. Muitas vezes, o enfeit içador e o enfeitiçado não se dão conta da complexa rede energética que os envolve através de palavras, sentimentos, pensamentos e atitudes.
E é justamente isso que dá à magia uma aparência sobrenatural e mística pois aquilo que o homem não percebe objetivamente se torna altamente atraente para a imaginação fantasiosa. Mas, na verdade, a magia é uma manipulação de forças naturais inerentes ao homem.
13. Emancipação do comportamento na condução das correntes magnéticas
Aquele que se coloca acima dos pueris sentimentalismos bons e maus escapa do alcance do entendimento e se torna incompreensível e imprevisível. Ao ser invulnerável à ira, será capaz de beneficiar e proteger quem o maltrata. Ao ser invulnerável ao medo, será capaz de afrontar quem o ameaça. Ao ser invulnerável ao desejo, será capaz de rejeitar as tentações que lhe forem oferecidas.
E tudo isso será realizado somente quando a razão o determinar como conveniente. Estará no controle de si e de sua conduta. Não será manipulável, apesar de muitas vezes assim parecer. Não terá amigos ou inimigos: estará além dos pares de opostos. Terá a capacidade de fazerapenas o que lhe parecer acertado e não se deixará levar pelos impulsos.
Esses são os atributos da vontade livre: a capacidade de autodomínio, de comandar a si próprio e de não ser comandado interiormente pelas situações exteriores. Se a liberdade da vontade for exercitada até extremos, a pessoa ultrapassa os limites humanos normais e é capaz de atitudes inimaginadas e singulares, que ninguém poderia nem mesmo imitar. Uma pessoa assim não teme o sexo oposto, não o idolatra e nem o odeia.
Seus sentimentos não podem ser manipulados por outras pessoas e, desta maneira, chega mesmo a comandá-las sem que elas percebam. Se for um homem, poderá, por exemplo, ralhar ou repreender uma mulher, pois não temerá o seu julgamento desfavorável, e simultaneamente será capaz de cuidar dela e de auxiliá-la, pois não se deixará tomar pela ira e nem será afetado pelas suas atitudes desagradáveis e provocativas, vingativas ou não.
Será desconcertante e, portanto, misterioso. Não se polarizará na relação como bonzinho, malvado, autoritário, democrático, dominador, submisso, frio, romântico etc. Estará além dos pólos e dos jogos de opostos. Surpreenderá com frequência, já que quebra os próprios padrões. Essas capacidades somente conseguimos com a dissolução do eu e a consequente liberação da vontade, antes condicionada sob a forma de desejos.
A condução da força magnética depende diretamente de dois fatores: Do conhecimento das ações corretas e das reações que lhes sejam correspondentes consoante os objetivos que se tenha; Da capacidade de se levar a termo tais ações, a despeito das influências magnéticas emanadas que tentem nos arrastar para outros padrões comportamentais. Em outras palavras: a condução consiste em fazer o que se deve e não o que se sente impelido a fazer.
O poder de auto-domínio nos confere poder sobre as correntes magnéticas que saturam o sistema nervoso das pessoas e provocam fortes compulsões passionais. Ao não permitirmos que as correntes nos dominem, somos capazes de tomar atitudes que as contrariam em situações nas quais, normalmente, seríamos obrigados a agir de forma oposta.
Então é quando conseguimos provocar no outro sentimentos que em situações normais nos seriam impossíveis. Mas isso requer antes de tudo emancipação da vontade e tal poder somente pode ser exercido na proporção direta desta última. Quanto mais condicionada for a vontade, mais condicionado será o comportamento. Quanto mais condicionado for o comportamento, mais condicionada será a indução de sentimentos no próximo.
Uma pessoa condicionada a trapacear os outros está condicionada a atrair o ódio sobre si. Uma pessoa condicionada a somente fazer o bem está condicionada a atrair abusos e exploração sobre si, já que não é capaz de sair deste condicionamento. Uma pessoa livre de ambos condicionamentos será capaz de agir tanto de uma forma como de outra, conforme as necessidades que se apresentarem.
Se a condução não for legítma e justa, o operador será fulminado cedo ou tarde.