04-01-2021, 07:42 PM
7. A apoderação da vontade alheia
26 de março de 2003
Todo o comportamento humano apresenta reflexos ou reações no outro. Tudo o que alguém faz possui a intenção de provocar sentimentos, pensamentos e ações nas outras pessoas. Quando cumprimentamos alguém, temos a intenção de fazê-lo crer que somos amigáveis e de sentir simpatia ou, pelo menos, evitar que sinta antipatia.
Aquele que escarnece de uma pessoa, quer induzí-la a se enfurecer ou a se sentir diminuída. O bandido que aponta um revólver para sua vítima, quer induzí-la a sentir medo. Queremos ostentar luxo para que os demais sintam admiração ou inveja. A mulher que exibe seu corpo quer provocar desejo. Todos esses comportamentos, e quaisquer outros comportamentos sociais, são intencionais e manipulatórios pois visam forçar o próximo a cair em estados emocionais específicos.
O ser humano, ainda inconscientemente, não age sem segundas intenções. Isso não é, em si, mau, desde que não sirva como meio para prejudicar o próximo ou atingir fins egoístas. As habilidades humanas devem ser empregadas para defesa legítima ou para benefício do próximo. A identificação dos rumos assumidos pelos fluxos libidinais de alguém permite estreitamento da afinidade simpática.
Os fluxos libidinais são as fraquezas: amores, ódios, anelos e terrores. Uma vez identificadas, as fraquezas podem ser instrumentalizadas para dominação. A instrumentalização acontece principalmente pela fala, mas também pela expressão facial e pelas atitudes. Para roubar a vontade alheia, o manipulador precisa falar mal daquilo que a vítima detesta, elogiar aquilo que ela ama e dar-lhe segurança contra aquilo que teme.
Deste modo, o fluxo libidinal é intensificado pela junção de fluxos libidinais equidirecionados e cria-se uma cadeia magnética. A eficácia do poder magnético é diretamente proporcional à vontade impressa no ato. Se o manipulador agir com vacilação, o elemento passivo não será magnetizado suficientemente. Ao falar-se com intenso sentiment o e concentração, imprime-se força à corrente magnética e esta aborve os fluxos da vontade alhia.
Em geral, aquele que quer se apoderar da vontade de alguém, costuma primeiramente estreitar sua afinidade simpática com esse alguém, como fazem alguns vendedores. Para obter tal estreitamento, as paixões necessitam ser identificadas. Em seguida, o espertalhão bendiz aquilo que a pessoa ama e maldiz o que a mesma detesta a fim de se encaixar perfeitamente na estrutura de suas paixões.
Assim a afinidade simpática se estreita e se aprofunda até um ponto perigoso. Uma vez que a cadeia esteja ativa, ou seja, que a simpatia tenha se aprofundado o manipulador se defronta com a dificuldade em controlá-la. O controle é obtido ao se fazer o outro crer que realizará seus desejos ao adotar os comportamentos desejados pelo velhaco. A palavra joga um grande peso nesta etapa.
Uma vez que a vítima esteja aberta, em guarda baixa, é induzida a acreditar, através do diálogo, nas vantagens das atitudes que o manipulador quer que a mesma tome. Mas nada disso será possível se a vítima estiver fechada à influência. O isolamento simpático atrapalha totalmente este trabalho e é, portanto, uma maneira de nos defendermos contra os charlatães. O desejo mais intenso e profundo da alma de um homem, por mais sublime, altruísta e maravilhoso que seja, é seu ponto fraco principal, a chave para sua perdição.
Se um inimigo acenar com a possibilidade de satisfazê-lo, incendiará sua paixão e poderá levá-lo aonde quiser, enlouquecido. Por este motivo, as pessoas que nos agradam podem ser tão perigosas quanto as que nos desagradam. Pergunte-se: "Quais são os desejos mais intensos que possuo?". A resposta irá revelar os meios pelos quais sua vontade pode ser capturada e manipulada por um inimigo, tornando-o escravo.
8. O caráter auto-dominatório da manipulação
O processo dominatório é auto-propulsor. Na verdade, não é, em última instância, o manipulador que domina o outro: o elemento passivo é dominado por seus próprios complexos (defeitos ou egos). Ao ativar suas fraquezas passionais, o criminoso apenas atua como simples agente facilitador e intensificador de um processo que já existia.
Na manipulação, o charlatão não impõe seus caprichos, anelos e metas contra a vontade da vítima mas, ao contrário, confere às suas vontades, já existentes, uma utilidade. Não a força a ir contra si mesma: a joga de cabeça em seus próprios desejos, sonhos e loucuras. Isto é sempre um crime contra a alma e contra o livre-arbítrio que apenas em casos especiais de legít ima defesa se justifica.
Para encontrar sentido nas tendências alheias é preciso imensa experiência com o trato humano e conhecimento da singularidade do elemento passivo. O manipulador descobre, nas tendências alheias, convergências com suas metas e não tenta impor, a partir de suas metas, a tendência a ser excitada. Entretanto, tudo dependerá do objetivo.
Se for sua intenção destruir ou abusar do próximo, o que é infelizmente o mais comum, algumas paixões específicas terão que ser ativadas. Nos casos em que a intenção é ajudar, outras serão as paixões excitadas. Ativar o gosto pela vida em um candidato a suicida é uma boa ação. A partir de certos comandos específicos, as emoções impelem necessariamente as pessoas em certas direções.
Para conduzí-las inconscientemente nessa mesma direção, basta que se conheça os comandos corretos e os aplique. A manipulação depende da aptidão de identificar as tendências que, inversamente à aparência, levem o elemento passivo ao encontro dos objetivos. Este é o ponto mais difícil. Uma vez identificada a tendência correta, tudo flui facilmente mas o trabalho de identificação nem sempre é fácil, requer grande experiência com o trato humano e conhecimento da natureza específica da pessoa a ser manipulada.
Os principais paixões determinantes de um processo manipulatório são as aversões e os desejos. As aversões correspondem a medos e ódios; os desejos correspondem às cobiças, aos anelos e aos sonhos. Obviamente, todos os elementos psíquicos se entremeiam. As aversões promovem antipatia e os desejos promovem simpatia. A vítima sempre tende a crer mais facilmente naquilo que teme ou deseja.
Contra as forças internas, o homem é indefeso. Não é necessário, portanto, manipulá-lo de fora quando se sabe ativar os elementos internos que o levarão à meta almejada. Respeitar o livre-arbítrio do outro é permitir-lhe o direito à autodeterminação, deixá-lo ser o que é e fazer o que quer. É respeitar os seus desejos ao invés de tentar fazê-los fluir ao contrário.
Curiosamente, quando tal se verifica, a pessoa abre a oportunidade de ser dominada através de si mesma, infelizmente. Vemos então que os seres humanos estão permanentemente vulneráveis e expostos a menos que descubram e combatam suas fraquezas. Pode-se corromper as pessoas por meio de suas más inclinações previamente existentes. Para tanto, basta que o manipulador as acenda por meio de palavras e gestos.
Felizmente, pela mesma via podemos regenerálas. Entrar em sintonia com aquele que se pretende dominar é ser capaz das mesmas atitudes e falas às quais o mesmo está inclinado. A maleabilidade exigida se consegue apenas por meio da morte dos egos. Aquele que não tem paixões não tem expectativas fixas, rígidas e previamente estabelecidas com relação ao próximo e por isto pode instrumentalizar para seus fins as tendências comportamentais alheias. Obviamente, se o ego estiver morto os fins não serão egoístas e nem passionais. Por desgraça, é muito mais fácil excitar a paixão alheia para o mal do que para o bem pois o mal corresponde às tendências reprimidas.
O mal corresponde aos desejos proibidos, os quais possuem enorme carga libidinal contida. O conhecimento da disposição do outro é indispensável e é obtido por meio da observação. O rigoroso cuidado posto sobre a nossa morte psicológica nos torna imunes aos efeitos hipnóticos e contra-hipnóticos que as operações desencadeiam, nos permitindo fazer frente aos charlatães e velhacos manipuladores, devolvendo-lhes influências. Sem a morte dos desejos somos vitimados pelas forças fascinatórias que ativamos ou que tentam ativar em nós.
Ao lidarmos com pessoas extremamente perigosas, complicadas ou difíceis, temos que aprender a nos mover entre suas paixões. "Colocar-se na mesma corrente de pensamentos que um espírito" , como escreveu Eliphas Lévi (1855/2001), é ser capaz de simular semelhança e convergência de propósitos. "Manter-se moralmente acima do mesmo" , é estar isolado da mesma influência e não ser atraído pelo mesmo objeto.
Em outras palavras: simular um comportamento com o cuidado de não ser absorvido e dominado por este comportamento, reforçar as idéias do outro sem ser magnetizado por elas. Tudo se resume em estar interiormente livre para permitir o curso das paixões alheias sem ser afetado e nem arrastado pela corrente que se cria mas, ao contrário, arrastando-a.
Os maus necessitam do sofrimento dos bons para se satisfazerem. Empreendem imensos sacrifícios para prejudicá-los e até mesmo se expoem a riscos. Quando não conseguem atingir este intento, sofrem emocionalmente pois a energia maligna que criaram dentro de si não encontra receptáculo fora e retorna ao seu ponto de partida, podendo inclusive provocar-lhes doenças. É deste modo que os bons atormentam os maus.
Logo, é uma grande vantagem sermos superiores aos malvados e o conseguimos quando somos impenetráveis ao medo, ao ódio, aos afetos, aos apegos e a todas as paixões. Quando dissolvemos os egos, nos tornamos imunes a todo feitiço e encantamento por não sermos mais o pólo reativo contrário receptor do magnetismo mas sim emissor.
Seremos um espelho que refletirá e devolverá exatamente aquilo que nos for lançado. Se nos lançarem feit iços de dor (insultos, ameaças, impropérios, ódio etc.), não sofreremos e esta dor retornará ao seu ponto de partida. Se nos lançarem encantamentos de prazer (tentativas mal intencionadas de sedução por meio de elogios, manipulações amigáveis, insinuações sexuais etc.), não nos envolveremos e nem seremos encantados, fazendo com que o manipulador caia na frustração e sofra por não alcançar seu propósito.
Nossa aura repelirá as pessoas malvadas. Do ponto de vista moral, o contra-feitiço e o contra-encantamento são justos porque são legítimas defesas. Não há nada de errado em defender-se das investidas de um manipulador para devolver-lhe as exatas consequências internas de suas próprias atitudes e os decorrentes venenos que haviam sido destilados e destinados para nós. O erro está em tomar a iniciativa de enfeitiçar ou encantar, ato que sempre se deverá à cobiça e aos desejos egoístas.
Eis porque devemos perdoar, resistir internamente às influências hipnóticas e não reagir às provocações, insultos, humilhações, ameaças, perseguições etc. Entretanto, resistir às influências hipnóticas nem sempre significa ausência de ação 6 pois há casos em que é impensável manter-se de braços cruzados e compactuar com a injustiça e com o massacre dos inocentes e indefesos.
Se você for capaz de ir contra si mesmo (suas rígidas estruturas de pensamento e sentimento), aceitando as metas, pontos de vista e ações absurdas de seu manipulador sem, entretanto, com elas se identificar, poderá excitar suas paixões e levá-lo a se auto-destruir, como uma pessoa que é atingida na cabeça pelo próprio bumerangue que lançou.