Continuando!
Parte 4: Sem dinheiro
Quando eu cheguei na casa, ela ainda estava terminando de pegar as coisas e os dois negões lá embaixo esperando. Assim que ela foi embora, os amigos do dono do apartamento também foram. Nesses últimos dias eu tinha dormido preocupado com aquela
maluca perturbada por demônios dormindo no quarto ao lado. Fiquei
aliviado quando ela foi embora. A atmosfera da casa estava bem pesada, como se fosse um pouco difícil de respirar, quando ela foi embora parece até que ficou mais leve, deu pra perceber nitidamente que o ambiente estava melhor. Ela ainda me ligou um dia depois pra pedir para eu passar o contato daquele pessoal da igreja que ela conheceu, mas não passei e nunca mais ouvi falar dela.
Eu acho que devia ter ligado pra polícia e denunciado ela, e assim ela teria ido direto pra cadeia, mas a casa não era minha, então deixei a decisão por conta do dono.
Respondendo a pergunta do
Legionário mentefantastica, eu quase não saia, pois quando terminava o turno do trabalho estava muito cansado e ia direto para casa, afinal eram 12 horas por dia em pé e tentando forçar vendas. Eu achava bem exaustivo mentalmente.
E aos sábados que era o meu dia de folga, eu ia na igreja adventista, o pessoal sempre fazia almoço lá, eu ia sempre porque eu aprendia muita coisa conversando com eles, fazia
muitos contatos, o que me ajudou muito para aprender os
macetes da cidade. Quando se está em país estrangeiro
sozinho, é muito importante ter
desenvoltura para se comunicar e fazer
amizades rapidamente. E a igreja é um lugar excelente para isso. O pessoal se ajuda muito.
Já a pergunta sobre o
custo de vida, isso é absurdamente diferente. O aluguel é bem caro. Um quarto em uma casa eu estava pagando
550 dólares, só pelo quarto. Mas isso é porque a cidade estava cheia de imigrantes e todo dia chegava mais um monte. Eu devia ter escolhido outra cidade. E o plano de telefone também era caro. Algo em torno de
50 dólares por mês, mas que se podia ligar
ilimitado para qualquer telefone fixo do Brasil e com
4g ilimitado também.
Dava para assistir vídeos pelo 4g sem problema algum, era mais rápido que muito wifi aqui no Brasil. E praticamente todas as lojas tinham
wifi grátis com uma velocidade bem alta.
Em relação a
custo de vida básico é tudo muito barato. O salário mínimo na Flórida era
8,50 dólares por hora. Uma pessoa que podia trabalhar legalmente tirava fácil
370 dólares por semana e quase
1500 dólares por mês, recebendo o
salário mínimo!!!! Uma BMW se pagava menos de
300 dólares por mês de parcela. O preço da gasolina era
50 cents por litro. As coisas como comida, eletrônicos, roupas, eram baratos,
muito baratos, não tem nem comparação com o Brasil.
Então, quem ganha o salário mínimo lá, vive bem. Nos
bairros pobres era normal ver dois carros na garagem. Se você quisesse podia comprar um carro usado por menos de 2 mil dólares e tinham muitos abaixo desse preço.
Exemplo do preço de alguns carros da região na internet:
Por 400 dólares:
Por
750 dólares:
Por
2.000 dólares, um 97 eclipse Gst spyder:
Ou se tiver um pouco mais dinheiro, que tal esse Ford Mustang usado por 12 mil dólares:
Todos os
entregadores de pizza da cidade iam de carro, não lembro de ter visto nenhum entregando pizza de moto. E alguns chegavam ao absurdo de entregar pizzas de Camaro. Na época eu até cheguei a tirar foto de um Camaro entregando pizza e postei em um grupo do WhatsApp dos
legionários que existia na época.
Um carro muito popular que se vê por todo lado é esse
Ford Mustang. É comparável ao Gol no Brasil.
Eu observava em alguns brasileiros à minha volta dois comportamentos distintos, o primeiro gostava de
status e andava de
BMW e gastava tudo o que ganhava para ficar
ostentando. O segundo que você via era aquele cara
frugal, que andava de
carro velho e
poupava muito dinheiro. Vai do perfil e metas de cada um. Eu acredito que um realista provavelmente seria o frugal misturado com o
Low Profile.
Voltando a história, eu achei bem louca essa história daquela americana lá em casa, mas eu ainda passaria por muita coisa louca.
Vou falar um pouco sobre o
dono do apartamento, a história que ele me contou foi a seguinte, ele chegou na
Califórnia há
30 anos atrás sem dinheiro algum também, chegou a dormir de favor em um
sofá estragado no
porão de uma casa por uns meses, até ser
expulso pelos filhos da mulher que o acolheu. Passou por muitas coisas difíceis, aprendeu inglês com dificuldade, alguns anos depois, ele encontrou o amor da vida dele, uma brasileira ilegal, se casaram.
Ficaram casados uns
25 anos, no inicio tudo lindo, mas logo ela foi mudando e, passado alguns anos, ela fazia muitos
jogos emocionais, fazia
greve de sexo, atormentando ele de várias maneiras e ele já nem sabia mais o que fazer, um dia ela
traiu ele por um
mexicano que era legalizado e o trocou por esse cara. E no divórcio eles dividiram os imóveis no Brasil que ele havia comprado com o dinheiro juntado a vida toda nos EUA.
Mas eles ainda trabalhavam juntos, cuidando de uma idosa bem rica, ela o difamou muito no ex-trabalho, para tentar pegar o lugar dele e ganhar mais. Pois eles recebiam
350 dólares por dia trabalhado e tinham que revezar os dias entre si. Ele não conseguia entender como ela, depois de tantos anos juntos, conseguia ser
tão má e
tão fria. Ele acabou ficando no trabalho mesmo com os ataques dela e ela pediu as contas porque ia voltar para o Brasil.
No fim da história, ela
teve um filho desse mexicano, vendeu as casas do Brasil e acabou gastando quase todo o dinheiro, ficando
sem casa e
sem dinheiro para comprar uma.
O
dono do apartamento foi demitido quando essa idosa que ele cuidava
morreu, pegou todo o dinheiro que conseguiu juntar e comprou esse apartamento em
Orlando e um carro novo, pois havia saído finalmente o
green-card dele, não lembro o que ele fez para conseguir isso. Ele ainda tinha as casas dele no Brasil alugadas em que o dinheiro ficava com a mãe e a irmã.
O problema era que ele não queria arrumar um emprego ou algo para investir e ficava todo dia horas na
Starbucks, chorando e pensando na vida, e depois voltava para o apartamento e ficava o dia todo chorando e se lamentando por tudo que aquela mulher fez ele passar.
Ele ainda estava muito
abalado com a separação e as vezes ficava com um
papo estranho de que a vida
não tinha mais sentido, de que ele
não se apegava a coisas materiais, de que estava disposto a
abrir mão de tudo, como tudo aqui é ilusão e as vezes comentava sobre algumas pessoas que se mataram, parecia que ele estava tentando justificar a atitude delas. E eu ficava pensando: "Só falta esse cara querer se matar aqui e ainda sobrar pra mim."
Enquanto isso, as minhas vendas não melhoravam, logo a situação foi piorando, o meu dinheiro foi diminuindo até eu ter uns
50 dólares.
O emocional nas vendas é muito interessante e eu gostava de observar isso. Tinha uma judia que era muito boa de vendas, estava lá há 7 ou 8 semanas, ela vendia uma média de
1000 dólares por dia, e ficava com cerca de
300 dólares de comissão por dia. Mas aconteceu que chegou a época que as vendas diminuíram e houve um
dia fraco e ela
não vendeu nada. E isso
abalou muito o emocional dela. No dia seguinte ela foi vender e não estava conseguindo vender, ela foi ficando
preocupada mas continuou se esforçando e não vendeu
nada de novo. Ficou mais
abalada ainda.
Ela foi perdendo a
confiança em si mesma. No terceiro dia ela se
empenhou muito e também não vendeu
nada. Ela começou a ficar com uma expressão constante muito
desanimada e abatida, semelhante a expressão dos que vendiam muito pouco, e ela não conseguia mais se empenhar nas vendas como antes. E assim foi indo dia após dia sem vender nada e o emocional dela só piorando por conta disso. Quando ela estava no oitavo dia seguido sem vender
nada, ela
não aguentou mais e
desistiu. E olha que ela era uma vendedora muito boa, conseguia vender quase no mesmo nível dos melhores.
Esse era um trabalho difícil e com
muita rotatividade, alguns desistiam no primeiro dia de trabalho, mas a maioria desistia do trabalho com cerca de
uma semana, quando eram durões, chegavam a duas semanas, raramente alguém ficava mais do que isso, e tinha um pequeno grupo que já estava lá a mais de 6 meses, e eram todos
KILLERS (
matadores na tradução literal), que é como eles chamam os vendedores que vendem absurdamente, aqueles fora de série.
E apesar da alta desistência sempre tinham dezenas de pessoas tentando ser chamadas para entrar no trabalho e todo dia aparecia algum imigrante procurando vaga. Então tinham muito mais pessoas tentando entrar do que vagas disponíveis.
Eu já estava a umas 6 semanas, e já tinha visto vários chegando e desistindo. Mas, eu não estava disposto a desistir, eu acreditava que com o tempo de algum modo, consciente ou inconsciente, eu iria aprender a vender bem e continuei me empenhado ao
máximo apesar de estar vendendo
pouco. Para tentar aprender o mais rápido possível e aumentar logo as minhas vendas. O meu emocional estava sendo forçado ao máximo neste período. Chegou um momento que com o lucro que eu tinha e tirando o que eu gastei com as despesas, eu acabei ficando com apenas uns
30 dólares na carteira. Enquanto isso eu ainda não conseguia tirar nem transferir o dinheiro do
PayPal, que eram cerca de
360 dólares. E eu ainda tinha a dívida do aluguel de
550 dólares e que em algumas semanas poderia ir para
1100 dólares.
O
dono do imóvel não parecia nem um pouco disposto em ficar mais um mês
sem receber o aluguel adiantado. Mas eu não iria conseguir nem pagar o mês que eu morei, que dirá o mês adiantado. Aquilo estava me preocupando, e eu lembrei que ele tinha me contado uma história, assim que eu cheguei, antes mesmo do problema com o aluguel, de um inquilino que estava alugando um quarto e por algum motivo ele implicou com o cara, não foi por falta de dinheiro, foi alguma coisa que o cara falou, e ele colocou as coisas do cara para
fora do apartamento e trocou as fechaduras. E eu as vezes lembrava disso e pensava que qualquer dia eu ia chegar no apartamento e as minhas coisas estarem do lado de
fora.
Nesses dias conheci uma vizinha ao voltar do trabalho, e vou relatar a história dela rapidamente para vocês verem que existem vários doidos pelo mundo que também fazem isso que eu fiz, ela ganhou uma bolsa de
intercambio e morou dois anos na
Irlanda, depois que voltou para o
Brasil, ficou uns meses e juntou uns
1000 dólares e decidiu ir para
Orlando. Por indicação de uma conhecida que já morava lá. Ela tinha um blog que relatava suas aventuras e um curso meia-boca de jornalismo, e postava nesse blog textos e vídeos das cidades e coisas que ela ia passando.
Aconteceu que depois de uns meses, o dinheiro dela acabou e ela também não estava conseguindo pagar o aluguel, devido a dificuldade de conseguir dinheiro e trabalho, e ela acabou sendo
despejada e foi morar ali perto de onde eu morava de
favor na casa da amiga. Trocamos contatos, eu passava dicas de emprego pra ela e ela me mandava sempre que achava algo também. Ela tentou arrumar trabalho em tudo que era lugar, mas todos os lugares ilegais já estavam cheios. Ela estava tão desesperada que estava tentando trabalhar em qualquer coisa que aparecesse. A família mandava todo mês uns
200 dólares para ajudar ela. E ela arrumou um emprego de motorista, 12 horas por dia, todos os dias, que tirava cerca de
250 dólares por mês, pois era só comissão e ainda tinha que dividir o valor com o dono do veiculo.
Como estava sobrando mão de obra ilegal, todo mundo começou a
abaixar os salários dos empregos clandestinos. E mesmo assim tinha vários disputando as vagas, não parava de chegar gente naquela cidade. Por isso, se forem com pouco dinheiro, escolham bem a cidade antes.
Eu queria continuar nas vendas, pois com o tempo eu ia
pegar o jeito e começar a vender bem, mas eu não tinha dinheiro para me manter lá até passar esse período de aprendizado e também de vendas fracas, que os experientes falavam que ia durar mais umas
6 semanas ainda, quando ia começar o turismo dos
americanos. Então eu e outro vendedor que fiz amizade, o
Felipe, decidimos ir para qualquer outro trabalho que pagasse um salário suficiente para pagar as contas, ele não precisava de dinheiro, porque morava em uma casa própria e já tinha carro, tudo da família, mas ele queria juntar dinheiro pra pagar a passagem pra namorada ir morar com ele lá e a família não queria ajudar, eu ainda não sabia mas essa namorada do Felipe iria afundar
totalmente o meu futuro negócio. Pegamos a lista que consegui, que continha o telefone de diversos mestres de obra, e ligamos para
todos, não tinha vaga em
nenhum trabalho e todos diziam a mesma coisa, que até tinha serviço, mas que já tinha muita gente na fila caso alguém fosse sair.
Fui na igreja em outro sábado falei com os irmãos, que me passaram outra
lista grande com diversas pessoas da construção civil, ligamos para
todos, mas não conseguimos
nada. Fomos nas lojas de brasileiros que aceitavam ilegais, mas eles diziam que o turismo de brasileiros estava
muito fraco e que além de não contratarem, elas estavam
demitindo funcionários.
Até que chegou um momento que eu fiquei com
5 dólares na carteira para usar e viver nos EUA.
Nesse dia eu estava
desanimado e abatido, mas me esforçando para vender, aí eu parei e vi que se continuasse assim não iria sair do lugar, respirei fundo e me esforcei para mudar a minha postura, me
automotivar e agir com
energia, logo em seguida passou um ator da globo, aquele que fazia o
Tuco na Grande Familia, parei ele dizendo que queria tirar um
selfie, depois disse que ia dar um presente pra mulher dele, porque gostava muito dele, o que não era verdade, mas falei com energia e empolgação, levei ela para mais perto do kiosk e comecei a apresentar os produtos para ela e consegui fazer uma venda de
225 dólares. Fiquei com
56 dólares de comissão só com essa venda. O que me dava dinheiro para sobreviver por mais um tempo.
O engraçado é que a gente conhecia muita gente famosa lá também, tinha muitos atores e celebridades andando e comprando por lá.
Tinha dia que eu tirava
15 dólares, outros que eu tirava
30 dólares,
50 dólares, na época boa, teve um dia que cheguei a tirar
180 dólares, mas atualmente tinha dias eu não tirava
nada. Era muito incerto esse serviço. E nessas ultimas semanas as vendas tinham caído muito no Outlet.
Tinha dois judeus e um venezuelano que parece que viviam em uma
realidade paralela pois todo dia eles tiravam no mínimo
200 dólares de comissão, mesmo com a maioria sem conseguir vender quase nada. E eles ainda reclamavam que tava fraco de vendas porque normalmente eles faziam muito mais. Teve um dia que o Yaron fez uma venda de 6 mil dólares para uma família canadense, ele tirou 2 mil dólares de comissão, ele definitivamente era um
Killer. Eu com uma venda dessa, só com uma, consegueria me manter tranquilo por 3 meses. E fundamentar o meu negócio. Mas cada um se vira como pode, como eu estava com dificuldade em vender presencialmente, eu comecei a investir na internet.
Eu não tinha contado para ninguém das vendas que tinha feito pelo
Ebay, pois se isso fosse proibido, eles saberiam que eu estava vendendo e eu poderia ficar com problemas no trabalho, e se fosse permitido, todo mundo ia querer vender também e eu sairia perdendo. De qualquer jeito, eu sairia perdendo se eles soubessem. Fiquei calado, até que eu tive uma ideia, chamei o
Felipe, pois ele era confiável e ele tinha vindo com dinheiro do Brasil, contei todo o esquema que eu fiz na internet. Propus de sermos
sócios, ele entrar com
todo o dinheiro e eu com o
conhecimento de anúncios e publicações e dividiríamos o lucro em
50% para cada. E eu pagaria a minha parte do custo com o lucro das vendas, expliquei sobre o dinheiro preso no
Ebay e que eu ainda não sabia como resolver isso. Ele topou mesmo assim e recoloquei os anúncios para vender na internet, e por exigência dele, cadastramos em uma conta do
Paypal que estava no nome dele.
As vendas na internet recomeçaram
fracas pois não tínhamos reputação ainda. Mas foram aumentando
aos poucos. Eu sabia que não podia contar com esse dinheiro nos próximos 20 dias que era o tempo que demorava para o Ebay liberar totalmente o dinheiro e depois dessa data ainda precisávamos ver como conseguir retirar esse dinheiro do PayPal.
Poucos dias depois um irmão da igreja me ligou avisando que conseguiu um trabalho na
construção civil para mim. Fiquei pensativo, eu queria continuar nas vendas, mas do jeito que as coisas estavam indo, eu seria despejado da minha casa a qualquer momento. E na construção eu iria ganhar pouco, mas era um salário certo, eu detesto salário fechado, eu gosto de ganhar por produção, algo que tenha escalabilidade, algo que dê para crescer, mas eu estava sem muitas opções. Decidi ouvir a proposta do construtor.
E eu começaria uma nova fase na minha jornada, totalmente diferente do que eu tinha passado até agora.
Continua em breve.
“A maior necessidade do mundo é a de homens — homens que se não comprem nem se vendam; homens que, no íntimo de seu coração, sejam verdadeiros e honestos; homens que não temam chamar o pecado pelo seu nome exato; homens cuja consciência seja tão fiel ao dever como a bússola o é ao polo; homens que permaneçam firmes pelo que é reto, ainda que caiam os céus.” Educação, Pág 57.