23-07-2024, 09:52 PM
Estou relendo o livro que na minha opinião mais marcou a minha vida e mudou meus paradigmas sobre o mundo, Diário do subsolo ou Memórias do subsolo.
O livro conta a história de um homem de 40 anos que ri de si mesmo por ficar remoendo coisas que aconteceram no passado.
Eu pensei em escrever isso em um diário que eu tenho, para, assim como ele, não ser lido, mas você sempre escreve um pouco mais ou com mais vontade quando sabe que vai ser lido por alguém.
Eu talvez dê alguns spoilers sobre esse livro e também sobre Os Demônios, então, se não leu, pare aqui e volte depois de já ter lido.
Uma coisa que eu percebi com esse livro, é como as interações sociais são mais importantes do que parecem e como negligenciamos isso nos dias de hoje, o homem do subsolo é um aleijado social, ele é órfão, e nunca recebeu validação devida de ninguém, porém, conseguia se sobressair a média levemente.
Um dos pontos que eu reparei nessa lida que não havia reparado da primeira vez, é como o amor próprio dele, ou seu ego, acabava se tornando seu maior vilão, ele sentia uma necessidade enorme de aceitação, ao passo que, apesar disso, sentia um complexo enorme de superioridade mesclado com uma crença cega em ser inferior aos outros.
O homem do subsolo, aos 40 anos, é um ser absolutamente decadente e sabe disso, mas nós não sabemos, e por esse motivo, a primeira parte do livro é tão confuso e até estafante, de certa forma, ela é assim porque é o que ele é, uma pessoa estafante, chata, entediante, "como você é chato!" um de seus colegas grita para ele no fatídico jantar.
A princípio, achamos que a primeira parte do livro é maçante porque algo inteligente está sendo dito, mas na verdade, é só um homem frustrado tentando parecer inteligente, e você percebe isso quando lê o livro pela segunda vez, após alguns anos de telo lido pela primeira vez.
O homem do subsolo é um homem neurótico, que remoe algo simples e estúpido por anos, porque sua vida simplesmente é uma monotonia sem fim. É um personagem altamente identificável, porque ele não sobre da miséria da época, ele consegue um canto para dormir, outro para trabalhar, e comer e beber, mas ele não é completo, porque ele apenas existe, ele não vive, pois seu lado social é uma nulidade patética e ele mesmo ri com raiva disso na primeira parte do livro.
Algo interessante que eu percebi, enquanto relia o livro, foi a motivação que ele encontrou para ir no jantar com seus amigos que absolutamente o desprezavam e que ele, igualmente ou até mais, os desprezava também, mas o desprezo dele era falso, o desprezo dele não passava de um ressentimento velado de querer fazer parte e ser um deles e não conseguir, uma raposa falando mal de uvas que não conseguiu pegar por estarem muito altas, enquanto os seus antigos colegas exibiam o mais absoluto desprezo genuíno e sincero, e até um pouco de pena em certos momentos.
Ele vai no jantar e é interessante como as coisas são descritas lá, você lê a situação e sente um imenso desconforto junto com ele, você se imagina no lugar dele e sabe que é uma situação simplesmente horrível, você sente a dor dele, mas você não entende porque ele se colocou naquela situação e nem porque ele permanece nela, e eu também não entendia nas primeiras vezes que li o livro, mas agora, arrisco a dizer que entendi.
Ele foi naquele jantar por medo do próprio julgamento, por medo de não ir e se ver ainda mais como um covarde que, no fundo, ele já se enxergava, como muito é mostrado na tragicômica história que ele conta sobre como resolveu o caso com o oficial que um certo dia o tirou do caminho para passar, e esse simples gesto o fez remoer isso até as ultimas consequências por anos para no final... esbarrar com o cara e se dar por satisfeito, dizendo para si mesmo que era um homem corajoso, mentindo para si mesmo.
E ali, ele está exposto novamente àquela mentira, ele não pode suportar não ir nesse jantar, mesmo sabendo que ele de fato não deveria em hipótese alguma ir, porque seu amor próprio já ferido, seu ego, não aguentariam, então ele vai, ele não sabe lidar com toda àquela situação pois é um aleijado social e o tiro sai pela culatra, a visão que ele tinha de si mesmo, ao invés de melhorar, piora ainda mais, pois ao final do jantar, ele está decidido que, a única forma de dar um fim naquela humilhação toda seria um grande murro no seu tão adorado e odiado arque rival, superior a ele em absolutamente tudo, menos em inteligência, mas talvez até disso ele já duvidasse...
Ele chega lá e eles não estão, para ele, é mais um alívio, assim como foi a solução com o guardinha, ele cria um problema, para poder ser um herói livresco de sua própria vida, não consegue enfrentar os próprios problemas que cria, e acha uma forma de sair pela culatra, assim, fragmentando cada vez mais sua própria autoestima, ao ponto de ser um neurótico revivendo os poucos momentos vivos da juventude aos 40 anos, momentos esses que, nem bons foram, mas foram os únicos momentos em sua vida, onde ele, pateticamente, tentou viver.
Ainda não terminei desta vez o livro, quando terminar, vou ver se deixei alguma coisa passar.
Mas antes de finalizar este tópico, gostaria de fazer um paralelo com um personagem de outro livro de Dostoiévski: Nikolai Stavróguin, anti herói de Os Demônios.
Para mim, enquanto o homem do subsolo é o personagem mais patético criado pelo autor, Nikolai, é o oposto, o mais grandioso, o homem do subsolo não consegue nem ser grandioso, nem ser absolutamente vil e maligno como ele mesmo fala na primeira parte do livro, ao passo que Nikolai o é, para mim, de todos os personagens de Dostoiévski, Stavróguin é o mais completo, superando inclusive os irmão Karamásov, pois enquanto os 3 se completavam no desenrolar da história, Nikolai sozinho passa uma mensagem dentro do livro, ele simplesmente faz todas as coisas que o homem do subsolo se imaginava fazendo mas não tinha a coragem, a força e a disposição necessária, o homem do subsolo quer ser aceito e adorado, mas é isolado e desprezado, ao passo que Stavróguin é adorado e bem relacionado, mas pouco se importa com isso.
O homem do subsolo não comete nenhuma vileza, todas as suas torpezas foram reativas, devido a seu amor próprio ferido, enquanto Nikolai comete coisas verdadeiramente desprezíveis pura e simplesmente porque sentiu vontade, Stravróguin é o exemplo transformado em personagem do humano que não aceita ser uma tecla de piano e resolve seguir por outro caminho por puro luxo de não querer ser linear.
Achei esses dois personagens tão diferentes e ao mesmo tempo tão assustadoramente semelhantes a sua maneira, que vou ler Os Demônios novamente depois que terminar este que leio agora.
Seria como se Stavróguin fosse a materialização de tudo que o homem do subsolo queria ser, mas não conseguiu.
O livro conta a história de um homem de 40 anos que ri de si mesmo por ficar remoendo coisas que aconteceram no passado.
Eu pensei em escrever isso em um diário que eu tenho, para, assim como ele, não ser lido, mas você sempre escreve um pouco mais ou com mais vontade quando sabe que vai ser lido por alguém.
Eu talvez dê alguns spoilers sobre esse livro e também sobre Os Demônios, então, se não leu, pare aqui e volte depois de já ter lido.
Uma coisa que eu percebi com esse livro, é como as interações sociais são mais importantes do que parecem e como negligenciamos isso nos dias de hoje, o homem do subsolo é um aleijado social, ele é órfão, e nunca recebeu validação devida de ninguém, porém, conseguia se sobressair a média levemente.
Um dos pontos que eu reparei nessa lida que não havia reparado da primeira vez, é como o amor próprio dele, ou seu ego, acabava se tornando seu maior vilão, ele sentia uma necessidade enorme de aceitação, ao passo que, apesar disso, sentia um complexo enorme de superioridade mesclado com uma crença cega em ser inferior aos outros.
O homem do subsolo, aos 40 anos, é um ser absolutamente decadente e sabe disso, mas nós não sabemos, e por esse motivo, a primeira parte do livro é tão confuso e até estafante, de certa forma, ela é assim porque é o que ele é, uma pessoa estafante, chata, entediante, "como você é chato!" um de seus colegas grita para ele no fatídico jantar.
A princípio, achamos que a primeira parte do livro é maçante porque algo inteligente está sendo dito, mas na verdade, é só um homem frustrado tentando parecer inteligente, e você percebe isso quando lê o livro pela segunda vez, após alguns anos de telo lido pela primeira vez.
O homem do subsolo é um homem neurótico, que remoe algo simples e estúpido por anos, porque sua vida simplesmente é uma monotonia sem fim. É um personagem altamente identificável, porque ele não sobre da miséria da época, ele consegue um canto para dormir, outro para trabalhar, e comer e beber, mas ele não é completo, porque ele apenas existe, ele não vive, pois seu lado social é uma nulidade patética e ele mesmo ri com raiva disso na primeira parte do livro.
Algo interessante que eu percebi, enquanto relia o livro, foi a motivação que ele encontrou para ir no jantar com seus amigos que absolutamente o desprezavam e que ele, igualmente ou até mais, os desprezava também, mas o desprezo dele era falso, o desprezo dele não passava de um ressentimento velado de querer fazer parte e ser um deles e não conseguir, uma raposa falando mal de uvas que não conseguiu pegar por estarem muito altas, enquanto os seus antigos colegas exibiam o mais absoluto desprezo genuíno e sincero, e até um pouco de pena em certos momentos.
Ele vai no jantar e é interessante como as coisas são descritas lá, você lê a situação e sente um imenso desconforto junto com ele, você se imagina no lugar dele e sabe que é uma situação simplesmente horrível, você sente a dor dele, mas você não entende porque ele se colocou naquela situação e nem porque ele permanece nela, e eu também não entendia nas primeiras vezes que li o livro, mas agora, arrisco a dizer que entendi.
Ele foi naquele jantar por medo do próprio julgamento, por medo de não ir e se ver ainda mais como um covarde que, no fundo, ele já se enxergava, como muito é mostrado na tragicômica história que ele conta sobre como resolveu o caso com o oficial que um certo dia o tirou do caminho para passar, e esse simples gesto o fez remoer isso até as ultimas consequências por anos para no final... esbarrar com o cara e se dar por satisfeito, dizendo para si mesmo que era um homem corajoso, mentindo para si mesmo.
E ali, ele está exposto novamente àquela mentira, ele não pode suportar não ir nesse jantar, mesmo sabendo que ele de fato não deveria em hipótese alguma ir, porque seu amor próprio já ferido, seu ego, não aguentariam, então ele vai, ele não sabe lidar com toda àquela situação pois é um aleijado social e o tiro sai pela culatra, a visão que ele tinha de si mesmo, ao invés de melhorar, piora ainda mais, pois ao final do jantar, ele está decidido que, a única forma de dar um fim naquela humilhação toda seria um grande murro no seu tão adorado e odiado arque rival, superior a ele em absolutamente tudo, menos em inteligência, mas talvez até disso ele já duvidasse...
Ele chega lá e eles não estão, para ele, é mais um alívio, assim como foi a solução com o guardinha, ele cria um problema, para poder ser um herói livresco de sua própria vida, não consegue enfrentar os próprios problemas que cria, e acha uma forma de sair pela culatra, assim, fragmentando cada vez mais sua própria autoestima, ao ponto de ser um neurótico revivendo os poucos momentos vivos da juventude aos 40 anos, momentos esses que, nem bons foram, mas foram os únicos momentos em sua vida, onde ele, pateticamente, tentou viver.
Ainda não terminei desta vez o livro, quando terminar, vou ver se deixei alguma coisa passar.
Mas antes de finalizar este tópico, gostaria de fazer um paralelo com um personagem de outro livro de Dostoiévski: Nikolai Stavróguin, anti herói de Os Demônios.
Para mim, enquanto o homem do subsolo é o personagem mais patético criado pelo autor, Nikolai, é o oposto, o mais grandioso, o homem do subsolo não consegue nem ser grandioso, nem ser absolutamente vil e maligno como ele mesmo fala na primeira parte do livro, ao passo que Nikolai o é, para mim, de todos os personagens de Dostoiévski, Stavróguin é o mais completo, superando inclusive os irmão Karamásov, pois enquanto os 3 se completavam no desenrolar da história, Nikolai sozinho passa uma mensagem dentro do livro, ele simplesmente faz todas as coisas que o homem do subsolo se imaginava fazendo mas não tinha a coragem, a força e a disposição necessária, o homem do subsolo quer ser aceito e adorado, mas é isolado e desprezado, ao passo que Stavróguin é adorado e bem relacionado, mas pouco se importa com isso.
O homem do subsolo não comete nenhuma vileza, todas as suas torpezas foram reativas, devido a seu amor próprio ferido, enquanto Nikolai comete coisas verdadeiramente desprezíveis pura e simplesmente porque sentiu vontade, Stravróguin é o exemplo transformado em personagem do humano que não aceita ser uma tecla de piano e resolve seguir por outro caminho por puro luxo de não querer ser linear.
Achei esses dois personagens tão diferentes e ao mesmo tempo tão assustadoramente semelhantes a sua maneira, que vou ler Os Demônios novamente depois que terminar este que leio agora.
Seria como se Stavróguin fosse a materialização de tudo que o homem do subsolo queria ser, mas não conseguiu.