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O Subsolo.
#1
Estou relendo o livro que na minha opinião mais marcou a minha vida e mudou meus paradigmas sobre o mundo, Diário do subsolo ou Memórias do subsolo.
O livro conta a história de um homem de 40 anos que ri de si mesmo por ficar remoendo coisas que aconteceram no passado.
Eu pensei em escrever isso em um diário que eu tenho, para, assim como ele, não ser lido, mas você sempre escreve um pouco mais ou com mais vontade quando sabe que vai ser lido por alguém.

Eu talvez dê alguns spoilers sobre esse livro e também sobre Os Demônios, então, se não leu, pare aqui e volte depois de já ter lido.

Uma coisa que eu percebi com esse livro, é como as interações sociais são mais importantes do que parecem e como negligenciamos isso nos dias de hoje, o homem do subsolo é um aleijado social, ele é órfão, e nunca recebeu validação devida de ninguém, porém, conseguia se sobressair a média levemente.

Um dos pontos que eu reparei nessa lida que não havia reparado da primeira vez, é como o amor próprio dele, ou seu ego, acabava se tornando seu maior vilão, ele sentia uma necessidade enorme de aceitação, ao passo que, apesar disso, sentia um complexo enorme de superioridade mesclado com uma crença cega em ser inferior aos outros.

O homem do subsolo, aos 40 anos, é um ser absolutamente decadente e sabe disso, mas nós não sabemos, e por esse motivo, a primeira parte do livro é tão confuso e até estafante, de certa forma, ela é assim porque é o que ele é, uma pessoa estafante, chata, entediante, "como você é chato!" um de seus colegas grita para ele no fatídico jantar.

A princípio, achamos que a primeira parte do livro é maçante porque algo inteligente está sendo dito, mas na verdade, é só um homem frustrado tentando parecer inteligente, e você percebe isso quando lê o livro pela segunda vez, após alguns anos de telo lido pela primeira vez.

O homem do subsolo é um homem neurótico, que remoe algo simples e estúpido por anos, porque sua vida simplesmente é uma monotonia sem fim. É um personagem altamente identificável, porque ele não sobre da miséria da época, ele consegue um canto para dormir, outro para trabalhar, e comer e beber, mas ele não é completo, porque ele apenas existe, ele não vive, pois seu lado social é uma nulidade patética e ele mesmo ri com raiva disso na primeira parte do livro.

Algo interessante que eu percebi, enquanto relia o livro, foi a motivação que ele encontrou para ir no jantar com seus amigos que absolutamente o desprezavam e que ele, igualmente ou até mais, os desprezava também, mas o desprezo dele era falso, o desprezo dele não passava de um ressentimento velado de querer fazer parte e ser um deles e não conseguir, uma raposa falando mal de uvas que não conseguiu pegar por estarem muito altas, enquanto os seus antigos colegas exibiam o mais absoluto desprezo genuíno e sincero, e até um pouco de pena em certos momentos.

Ele vai no jantar e é interessante como as coisas são descritas lá, você lê a situação e sente um imenso desconforto junto com ele, você se imagina no lugar dele e sabe que é uma situação simplesmente horrível, você sente a dor dele, mas você não entende porque ele se colocou naquela situação e nem porque ele permanece nela, e eu também não entendia nas primeiras vezes que li o livro, mas agora, arrisco a dizer que entendi.

Ele foi naquele jantar por medo do próprio julgamento, por medo de não ir e se ver ainda mais como um covarde que, no fundo, ele já se enxergava, como muito é mostrado na tragicômica história que ele conta sobre como resolveu o caso com o oficial que um certo dia o tirou do caminho para passar, e esse simples gesto o fez remoer isso até as ultimas consequências por anos para no final... esbarrar com o cara e se dar por satisfeito, dizendo para si mesmo que era um homem corajoso, mentindo para si mesmo.

E ali, ele está exposto novamente àquela mentira, ele não pode suportar não ir nesse jantar, mesmo sabendo que ele de fato não deveria em hipótese alguma ir, porque seu amor próprio já ferido, seu ego, não aguentariam, então ele vai, ele não sabe lidar com toda àquela situação pois é um aleijado social e o tiro sai pela culatra, a visão que ele tinha de si mesmo, ao invés de melhorar, piora ainda mais, pois ao final do jantar, ele está decidido que, a única forma de dar um fim naquela humilhação toda seria um grande murro no seu tão adorado e odiado arque rival, superior a ele em absolutamente tudo, menos em inteligência, mas talvez até disso ele já duvidasse...

Ele chega lá e eles não estão, para ele, é mais um alívio, assim como foi a solução com o guardinha, ele cria um problema, para poder ser um herói livresco de sua própria vida, não consegue enfrentar os próprios problemas que cria, e acha uma forma de sair pela culatra, assim, fragmentando cada vez mais sua própria autoestima, ao ponto de ser um neurótico revivendo os poucos momentos vivos da juventude aos 40 anos, momentos esses que, nem bons foram, mas foram os únicos momentos em sua vida, onde ele, pateticamente, tentou viver.

Ainda não terminei desta vez o livro, quando terminar, vou ver se deixei alguma coisa passar.

Mas antes de finalizar este tópico, gostaria de fazer um paralelo com um personagem de outro livro de Dostoiévski: Nikolai Stavróguin, anti herói de Os Demônios.

Para mim, enquanto o homem do subsolo é o personagem mais patético criado pelo autor, Nikolai, é o oposto, o mais grandioso, o homem do subsolo não consegue nem ser grandioso, nem ser absolutamente vil e maligno como ele mesmo fala na primeira parte do livro, ao passo que Nikolai o é, para mim, de todos os personagens de Dostoiévski, Stavróguin é o mais completo, superando inclusive os irmão Karamásov, pois enquanto os 3 se completavam no desenrolar da história, Nikolai sozinho passa uma mensagem dentro do livro, ele simplesmente faz todas as coisas que o homem do subsolo se imaginava fazendo mas não tinha a coragem, a força e a disposição necessária, o homem do subsolo quer ser aceito e adorado, mas é isolado e desprezado, ao passo que Stavróguin é adorado e bem relacionado, mas pouco se importa com isso.

O homem do subsolo não comete nenhuma vileza, todas as suas torpezas foram reativas, devido a seu amor próprio ferido, enquanto Nikolai comete coisas verdadeiramente desprezíveis pura e simplesmente porque sentiu vontade, Stravróguin é o exemplo transformado em personagem do humano que não aceita ser uma tecla de piano e resolve seguir por outro caminho por puro luxo de não querer ser linear.

Achei esses dois personagens tão diferentes e ao mesmo tempo tão assustadoramente semelhantes a sua maneira, que vou ler Os Demônios novamente depois que terminar este que leio agora.

Seria como se Stavróguin fosse a materialização de tudo que o homem do subsolo queria ser, mas não conseguiu.
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#2
Eu pretendo comprar esse livro, agora que já possuo uma bagagem literária vasta e consigo compreender textos mais eruditos. Até agora tive muito contato com a escrita alemã e brasileira, e penso que a escrita russa deva ser a mais profunda de todas. Quando eu ler essa obra voltarei aqui para depositar minhas impressões.
A sorte favorece os audazes
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#3
Espetacular @Novo Mundo.

Assim como o @Subsolo, essas Sinopses que realizam são muito legais.
"Paulistarum Terra Matter..."
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#4
Eu só aguentei ler esse livro até a página 20 e abandonei. Não recomendo.

O narrador do livro, que também é o personagem principal, é um sujeito muito dependente. Então o personagem é extremamente preocupado com aprovação social e incapaz de fazer qualquer coisa sem esperar a aprovação alheia.

A narrativa inteira é sobre isso e o autor fica repetindo as mesmas merdas a cada 5 páginas.

Por isso eu caí fora. Não recomendo Dostoiévski, nem recomendo Kafka.
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#5
(24-07-2024, 11:20 AM)Vincent Escreveu: Eu só aguentei ler esse livro até a página 20 e abandonei. Não recomendo.

O narrador do livro, que também é o personagem principal, é um sujeito muito dependente. Então o personagem é extremamente preocupado com aprovação social e incapaz de fazer qualquer coisa sem esperar a aprovação alheia.

A narrativa inteira é sobre isso e o autor fica repetindo as mesmas merdas a cada 5 páginas.

Por isso eu caí fora. Não recomendo Dostoiévski, nem recomendo Kafka.

Em defesa ao confrade @Vincent, tentei ler Crime e Castigo mas também achei enfadonho. Sei lá, acho que o Netflix e o Youtube fritaram meus receptores de dopamina e não tenho mais paciência para obras desse calibre.

Acho que antigamente o pessoal era mais entediado e conseguia ler tranquilamente essas obras mais pesadas.

Longe de mim dar uma de crítico, estou explicitando minha falta de capacidade de completar a leitura.
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#6
(23-07-2024, 09:52 PM)Novo Mundo Escreveu: A princípio, achamos que a primeira parte do livro é maçante porque algo inteligente está sendo dito, mas na verdade, é só um homem frustrado tentando parecer inteligente, e você percebe isso quando lê o livro pela segunda vez, após alguns anos de telo lido pela primeira vez.

Ora ora, finalmente notamos uma evolução nas sua percepção das coisas, pelos menos na parte literária. Essa sinopse ficou bem mais interessante ...

Como eu havia dito, esse livro foi o que mais eu não gostei do Dostoiévski, justamente porque como você observou, ele é maçante e no final não chegamos a lugar nenhum. Mas de tanto você e o "Subsolo" falarem desse livro, eu vou relê-lo e fazer uma nova sinopse com as minhas impressões. Recentemente eu li uma frase de um mestre literário tupiniquim, que acaba corroborando o que você disse aqui, que é a seguinte:

Citação:"Por tudo que sei da vida, dos homens, deve-se ler pouco e reler muito. A arte da leitura é a arte da releitura. Há poucos livros totais, uns três ou quatro, que nos salvam ou que nos perdem".

Parece que esse livro teve um impacto muito grande na sua vida, a ponto de nós supormos que existe um Novo Mundo antes de Memórias do Subsolo, e um outro depois.
"Compreendi o tormento cruciante do sobrevivente da guerra, a sensação de traição e covardia experimentada por aqueles que ainda se agarram à vida quando seus camaradas já dela se soltaram."  (Xeones para o rei Xerxes)

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#7
@Novo Mundo talvez você volte em um futuro próximo e tenha outra percepção do livro.

Esse tipo de literatura muitas vezes acaba sendo 8 ou 80 para quem está lendo, depende muito do momento da vida de cada um. Se as próprias percepções sobre as obras mudam com o tempo e as experiências, imagina se compararmos com a as percepções de outras pessoas.

Por exemplo, o autor que eu mais li na vida foi Bukowski, o acho simplesmente genial. Entretanto, as razões pelas quais eu tenho essa opinião hoje, não são as mesmas razões de quando eu li Misto Quente, há uns bons anos. Eu com 18 anos lendo Bukowski ficava fascinado, aquele véio maluco falando um monte de porcaria sem nenhum senso crítico e pudor, era simplesmente fantástico. Não deixou de ser fantástico (hoje), mas os motivos são outros.

Eu acredito que praticamente todos que leem Memórias do Subsolo e saem indicando por aí como um excelente livro (o que eu fiz/faço), é pelo fato de que, por algum motivo, se identificou com o personagem de alguma forma. Talvez o sentimento de autodesprezo, a necessidade de validação externa, o péssimo convívio social, e por aí vai.

Inclusive, HOJE eu estou inclinado a discordar da sua afirmação:

Citação:"Uma coisa que eu percebi com esse livro, é como as interações sociais são mais importantes do que parecem e como negligenciamos isso nos dias de hoje, o homem do subsolo é um aleijado social, ele é órfão, e nunca recebeu validação devida de ninguém, porém, conseguia se sobressair a média levemente."

Eu penso justamente o contrário, a cada dia que passa percebo que as interações sociais estão cada vez mais fúteis e superficiais. É o que eu comentei em algum outro tópico por aí: é importante ter jogo de cintura para conviver em meio a tantas futilidades e imbecilidades,  mas não necessariamente precisamos fazer parte delas.

No mais, excelente análise sobre a obra.
Mateus 21:22
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#8
@Héracles bem como o Subsolo pontuou, quem gosta desse livro é porque acabou se identificando com o personagem em algum momento.
Eu era uma criança difícil e desde pequeno era meio ostracizado pela minha turma, ler esse livro pela primeira vez me fez lembrar dessa época de quando eu era realmente criança, pequenino, e sentir com mais força o que o personagem estava sentido do que alguém que não passou por isso na infância.

Também tem o fato de que li esse livro após um acidente que tive, vendo todo meu circulo social virar nada aos 20 anos e percebendo como as relações sociais podem ser frágeis e fúteis, o livro entrou nesse momento na minha vida.

Porém, da primeira vez que eu li o livro, eu me identifiquei e de certa forma concordei com o personagem, nessa época não tinha maturidade literária e nem não literária e não entendi a verdadeira mensagem do livro direito, mas deixou uma impressão forte, eu pensei "me identifiquei demais com um personagem que é, de muitas formas, patético, isso não é algo bom" e isso desde então nunca mais saiu da minha cabeça, hoje, todas as vezes que eu estou com um certo vício de ter pensamentos negativos e me isolar das pessoas, evitar contato, eu mantenho esse personagem em mente, como um lembrete de que esse caminho não é o ideal, e na verdade, é desprezível.

Ler o livro dessa vez me fez ter um impacto até maior do que das primeiras, visto um relacionamento conturbado que tive com uma garota que foi estuprada na infância, ver a relação dele com a Lisa me fez lembrar disso, de certa forma, por mais que fossem contextos absolutamente diferentes.

@Subsolo não consigo concordar com você sobre ver as pessoas como fúteis e imbecis, de fato, muitas são, mas hoje eu aprendi a abraçar a vida comum e tentar ser o mais sociável nos meus limites, porém, eu moro em uma cidade minúscula no momento, sou obrigado a reconhecer que em cidades levemente maiores a estupidez está em um nível complicado.

O personagem desse livro é um homem complicado, você até deseja sentir empatia por ele, mas nem pena você consegue sentir no final, apenas desprezo, pois, além de medíocre, ele é realmente ruim, porém, em sua mediocridade, suas ruindades são coisas pequenas e patéticas, mas que, como ocorre no final do livro, ainda assim podem ferir muito.

E agora, gostaria de falar sobre o final do livro, pois quando comecei esse tópico ontem ainda não havia terminado o livro. Nesse final de livro temos Lisa, uma prostituta que ele de alguma forma bota na cabeça que vai virar o herói dela, e no final, acaba chorando na frente dela por tudo que já foi escrito sobre ele acima, e é consolado por ela, não suportando isso, por orgulho, afasta a única pessoa que o tratou com amabilidade ao longo de toda sua trajetória, e então, estagna de vez em seu próprios sentimentos negativos, sendo ressentidos de novo e de novo anos a fio.

Porém, não entendi qual foi a ofensa, não entendi se ele a estuprou, ou apenas transou normalmente a tratando como uma enfim... prostituta, para ofende-la, o que eu sei, é que mesmo antes dele dar a nota para ela, ela já estava ofendida, e essa parte é deixada nas entrelinhas, não é deixado explícito que tipo de ofensa ele fez a ela, não consegui interpretar essa parte, ou talvez o autor quisesse que fosse assim.

De fato é um livro denso, pesado de certa maneira, não porque retrata absurdos, torturas ou mortes, mas porque retrata a malvada mediocridade que está a espreita dentro de cada um de nós.

Li esse livro após ter lido "O Herói do Nosso Tempo", onde o protagonista é um personagem astuto, confiante, galanteador, bonito e bem sociável, eu gostei de fazer esse contraste, e agora vou para, no que eu julgo, ser um dos melhores personagens já criados pela literatura, Nikolai Stavróguin, em Os Demônios.
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#9
@Novo Mundo Estou lendo ele. Finalizando-o para ser mais exato. E assim como você, eu me identifiquei com o personagem. Isso está me deixando triste. Sempre tive amigos na minha infancia, nunca fui desprezado. Mas por algum motivo, tenho na minha cabeça que sou/fui. Hoje sofro com um problema grande de me afastar socialmente. Ando meio amargurado. E também sempre tive esse aaspecto de superioridade "intelectual" do personagem. Mas na verdade, sou um cara comum mesmo. Não sou diferente de ninguem. Mas na minha cabeça, em alguns momentos, eu fico achando que sou. Esse livro é diferente de tudo que ja li, pois me despertou um desconforto muito grande. Talvez foi a minha salvação, perceber que me identifico com esse personagem. Pois assim saberei o que não fazer, para não ter uma vida como a dele.
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