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( Relato ) Um homem que não deu certo.
#11
Continuando o relato, fui para rua, nem peguei minhas malas de roupas, não dava pra carregar, aquele momento já rezava por um milagre impossível, caminhei mais de 10km até o centro de São Paulo numa madrugada fria parando em caixas eletrônicos esperando que esse milagre se concretizasse com um dinheiro mágico que brotaria na minha conta. Com os trocados no bolso comprei um maço de cigarro, um bolo de fubá e um café em uma barraquinha na 25 de março, parando de telefone em telefone público tentando ligar para todos, familiares, amigos na esperança que alguém pudesse me ajudar. Mas meu objetivo implícito era conseguir um lugar para que pudesse concretizar o plano de tirar minha vida, mas dessa vez com privacidade e de uma forma efetiva.

Conforme o dia passava, meu desespero aumentava assim como minha fome e eu sem nenhum puto e sem coragem de pedir nada para ninguém, e com a noite turbulenta que tive minhas energias estavam chegando ao fim, minha vergonha não me permitia ao menos sentar no chão para descansar, então fui andando até a brigadeiro quando comecei a me sentir mal, em ponto de desmaiar pensei em ir até um viaduto e me jogar. Fui beirando a 23 até achar um viaduto com altura considerável que me permitisse morrer ou pela queda ou pelo impacto dos veículos que transitavam em alta velocidade na avenida.

Quando me debrucei para observar la embaixo senti um vento gelado em meu rosto, meu corpo estremeceu e minha mente se abriu, estava face a face com a morte em minha mente já visualizava meu corpo espativado no chão, minha vida passou como um filme em minha mente. Nada ao redor me importava mais, só que o sentimento que inconscientemente buscava que gerasse coragem e ódio suficiente pela vida para me jogar acabou gerando um efeito oposto. De repente tudo fazia sentido e pensei, foda-se tudo, foda-se todos, não vou morrer desse jeito enquanto aqueles que se aproveitaram de mim sequer estão se importando. Em minha mente uma guerra invisível de pensamentos sobre motivos para viver, motivos para morrer. Só que um sentimento perigoso me tomou. VINGANÇA!

Meu corpo já estava chegando a beira de um colapso e esse sentimento de revolta me deu energias para viver e fazer todos que me foderam pagar.

Me dirigi até o orelhão mais próximo e liguei para guarda municipal e uma mulher atendeu, expliquei tudo que tinha acontecido e ela debochou de mim no telefone falando que eu não parecia alguém em situação de rua, que eu era educado demais e que devia ligar para parentes, mesmo com minha insistência falando que estava prestes a apagar ela desligou na minha cara. Liguei novamente e um rapaz, com voz de jovem atendeu, bem solícito, expliquei novamente a história e disse que estava prestes a apagar de fraqueza e fome, que se não pudesse mandar alguém para me ajudar que pelo menos mandasse uma ambulância porque eu ia apagar. Ele falou para eu aguentar firme que iria mandar alguém me pegar mas que demoraria um pouco, para eu sentar, buscar um lugar e pedisse água com sal e açucar. E assim o fiz, a energia do meu corpo estava chegando ao fim, mas a revolta me deu energia extra para não apagar.

Nem 1 hora depois encostou uma perua da prafeitura com 2 rapazes e uma moça com coletes da prefeitura, muito bem educados pediram que eu explicasse a situação, a menina falou que compreendia mas que eu não era o tipo de pessoa que se encaixaria bem em um abrigo junto com mendigos e viciados, a menina fez algumas ligações para ver abrigos com vagas disponíveis e ela disse que estava torcendo para não me mandarem para o chuva de verão em guaianases, quando alguns minutos depois eu já sentado na perua veio a vaga no abrigo do jabaquara. Eu falei que só precisava comer algo, qualquer coisa e dormir.

Chegando no abrigo já não tinha mais comida, mas os atendentes vendo meu perfil me trataram na maior educação e providenciaram pão, bananas e chá, enquanto estava sentado comendo baratas correndo entre as mesas. Mendigos assistindo TV, mas o que me surpreendeu na hora era o número de pessoas ali que tinham celular. Alguns curiosos vieram conversar comigo. O público geral. Ex presidiários, moradores de rua e pessoas aguardando que a assistência social providenciasse passagem para voltar pra suas terra.

Na hora de dormir foi difícil, um ambiente fétido, um cobertor que dava coceira, cheiro de urina e fezes no ar. E a orientação de dormir abraçado com meu sapato ou coloca-lo embaixo do colchão para que não roubassem enquanto eu dormia. Foi uma noite difícil mas como estava sem energia acabei adormecendo.

No dia seguinte ganhei um passe que me garantia vaga no abrigo, mas teria que ir pra rua de dia e entrar a noite. Passei alguns dias vagando e pensando em tudo que tinha acontecido. Mas estabeleci um padrão de sobrevivência e tive que pedir o suficiente para comer em um restaurante popular do governo, pedia cigarros para pessoas nas ruas e voltava para o abrigo a noite. Fiz amizade com várias pessoas lá e pude conhecer a realidade deles, muitas histórias infinitamente piores que a minha.

Juntei as moedas que coletava e passei a ligar para algumas pessoas até que um cliente da empresa que eu trabalhava que nem considerava amigo me ofereceu trabalho e moradia para zelar de uma propriedade que ele ganhou de herança e tem por objetivo montar uma escola, o local por estar vazio e parte em obras sofria com invazões.

Ele me emprestou um notebook velho e um modem 3g cujo ele coloca crédito para que eu possa acessar a internet, mobiliou um quartinho com móveis usados e me paga um salário mínimo para cuidar da propriedade e ajudar o pessoal da obra.

O Sentimento de vingança eu acabei por controlar, a revolta ainda é grande, mas eu cheguei a uma conclusão. Me livrei de todas as ilusões desse mundo e agora sou livre.

Minha família, as mulheres vão se distruir pela propria forma com que vivem a vida, não terei que mover uma palha, o tempo é meu aliado.

Mas com 30 anos, quase 31, ilusões destruídas, como me motivar? Só de pensar em mulher, família já tenho arrepios.

O que me mantem vivo hoje é apenas um objetivo primitivo de sobrevivência, mas como foi tudo tão recente ainda tenho pensamentos suicidas.

Sou novo, mas não sou tão jovem, não tenho mais a energia que tinha a 12 anos atrás.
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RE: ( Relato ) Um homem que não deu certo. - de Independent - 25-08-2017, 09:48 AM

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