03-09-2025, 03:53 PM
(Esta publicação foi modificada pela última vez: 03-09-2025, 04:06 PM por eremita_urbano.)
Paralelamente eu aluguei um barraco por um mês em um local até próximo do centro. Tinha agora que arrumar um emprego, caso realmente quisesse amarrar meu burro por aquelas bandas.
A cidade tinha uma orquestra e um coro municipal. Patrimônio antigo e suas atividades ocorriam o ano todo e principalmente nas festividades. Andando de bobeira em uma noite de semana, vi o casebre pintado de amarelo onde eles ensaiavam.
![[Image: 330px-Sede_Banda_Phoenix_Pirenopolis_%281%29.jpg]](https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/8/8f/Sede_Banda_Phoenix_Pirenopolis_%281%29.jpg/330px-Sede_Banda_Phoenix_Pirenopolis_%281%29.jpg)
![[Image: 500px-Antigo_Mercado_Pirenopolis_Persio_Forzani.jpg]](https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/4/4d/Antigo_Mercado_Pirenopolis_Persio_Forzani.jpg/500px-Antigo_Mercado_Pirenopolis_Persio_Forzani.jpg)
Não pensei muito e me dirigi para lá. Havia algumas mulheres na porta e perguntei se ainda havia vagas. Elas me pediram para entrar e foram chamar alguém. Olhei em volta e vi o interior de um belo casebre, antigo como o tempo, com algumas crianças tocando instrumentos e olhando para partituras. Não vi nenhum adulto e deduzi que aquele dia era um dia de aula.
Chegou um rapaz e se apresentou. Disse que era um dos ajudantes do maestro local.
O rapaz perguntou se eu tinha vontade de tocar algum instrumento. Falei que tinha interesse mais nas atividades do coro.
Ele me olhou de cima para baixo e me fez uma pergunta técnica sobre canto coral. Foi sutil. Provavelmente queria saber se eu entendia algo de música ou se era alguém que estava ali para aprender.
Era uma pergunta do tipo A ou B, mas eu expliquei que, na verdade, a resposta era C.
A resposta tinha sido correta, porque em seguida ele mudou a postura e quis saber de onde eu era. Disse em qual conservatório estudei e qual minha experiência e de prontidão me passou o telefone direto do maestro. Falou ainda que a orquestra estava precisando de músicos e cantores.
Eu já estava acostumado com a galera do erudito do DF e sua babaquice habitual, além de soberba e arrogância, assim, acho que a minha reação natural foi dar a resposta certa socialmente. Provavelmente outro teria recebido uma desconversa ou não teria o contato do maestro. Mas o principal motivo era a falta de contingente qualificado.
E foi assim que entrei pela janela, no convívio social dos nativos. O normal era que demorasse mais para me enturmar.
Naquele convívio entendi o que significava as raízes das famílias em uma sociedade pequena.
Durante o pouco tempo que estive lá, uma mulher X chamou minha atenção. Tive todo um interesse inicial que foi por água abaixo ao perceber seu sobrenome. Era um desses sobrenomes que tinha lido no livro de genealogia.
Percebi que embora bem tratado ali, havia um muro que dividia a elite de outros locais.
Eu estava acostumado com a lei da hipergamia pelo dinheiro, já conhecido entre todos aqui, mas foi ali que me senti, pela primeira e única vez, um brasileiro sem nome, um membro de classe baixa social.
Se eu fosse um alto servidor público, como um procurador, analista de um tribunal ou algum cargo que fosse de prestígio, rapidamente eu estaria no grupo da elite ali. Não era só uma questão de dinheiro, o prestígio era importante. Pois tal qual todas as elites, a posição social dizia muito. E eu não tinha nome local, logo o nome do cargo selava a minha posição social ali. Sim, a ideia apesar de bizarra e um tanto ridícula, era real.
Algumas famílias daquela cidade criavam seus filhos fazendo-os acreditarem que eram especiais, ,não por feitos próprios mas por serem descendentes longínquos de algum nome de influência. Economicamente, as famílias não eram lá grande coisa, mas tinham em si o elitismo enraizado, tal qual um homem de posses modestas que se achasse importante por ser um descendente esparso de Dom Pedro.
Era estranho, porque intelectualmente, eu sabia tanto ou mais que todos ali. Mas a falta de um bom nome ou um bom cargo como médico ou procurador automaticamente me jogava para uma posição social de segunda linha.
Em compensação, eu sentia nas conversas com os nativos que estavam longe daqueles assuntos, metidos demais à bebida e à assuntos alienantes.
Parecia uma mesquinharia em todos os níveis sociais.
Haveria logo apresentações municipais e eu fui prontamente escalado para a próxima.
Em todo país a festa do Divino Espírito Santo ainda é comemorada. É uma tradição que existe desde a época de Portugal e aqui no Brasil se tornou uma festa mesclada com a tradição e o folclore local.
A festa que antes ocorria fora da cidade, agora ocorre dentro de um local que antes era um estádio de futebol. Durante o período de uma semana a cidade entra em um frenesi local formidável. Falarei dela mais para frente, porque na ordem dos fatos, aconteceu algo antes:
Decidi voltar à igreja durante a semana para uma missa. Provavelmente eu veria as coisas com outros olhos, longe do sol a pino e dos turistas.
A missa transcorreu conforme a liturgia. Eu olhava em volta e via os moradores da cidade. Não havia gente de fora. A tal igreja me pareceu mais tolerável mas eu não conseguia deixar de olhar para as paredes laterais e as esculturas dos santos. Os espaços enormes da parede pareciam estranhos, não entendi porque não haviam sido preenchidos.
Quando cheguei fui continuar minha pesquisa, agora focado mais nas igrejas e um certo fato me deixou perplexo: a tal igreja era uma reconstrução, pois já tinha pegado fogo sem até hoje se descobrir a causa:
![[Image: foto-incendio-igreja-768x664.png]](https://pirenopolisonline.com.br/wp-content/uploads/2023/09/foto-incendio-igreja-768x664.png)
![[Image: 19anos_incendio_igrejamatriz_agitapirenopolis3.jpg]](https://www.agitapirenopolis.com.br/uploads/2021/09/19anos_incendio_igrejamatriz_agitapirenopolis3.jpg)
![[Image: matriz14(520w335).webp]](https://pirenopolis.tur.br/portal/public/images/centrohistorico/matriz/thumbs/matriz14(520w335).webp)
E logo descobri um fato assustador também que para mim respondeu tudo: A tal igreja ficava em cima de um cemitério.
As laterais foram construídas como tumbas de escravos enquanto os brancos eram enterrados no subsolo dentro da igreja.
Na lateral, eram sepultados os escravos.
![[Image: matriz+1.jpg]](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhxVwppQrg7ckV-TZrMvJYvkGKVd9WUeFUzDGHogs8qR7m_Yj2DGjIIw_0LUpn6fBX64pNGVZ4XFTF6wZcsSpruLsUTaD5huEcabiNetuenjmKJHgRIyrjxFy8EmfYm412XDrVbeLUo0r1R/s400/matriz+1.jpg)
Debaixo do assoalho, eram sepultados os brancos
Nas minhas pesquisas também descobri que na década de sessenta, quando a praça central que ficava próxima foi construída, ao escavarem o terreno, foram encontradas inúmeras ossadas humanas.
Uma cidade feita com mãe de obra escrava. Então era assim que eram feitas as chamadas cidades históricas desse país?
Aquela cidade estava se revelando uma bela merda.
Relato ficou enorme. Acredito que concluo no próximo. Irei falar sobre a “maravilhosa” festa de gente fantasiada.
A cidade tinha uma orquestra e um coro municipal. Patrimônio antigo e suas atividades ocorriam o ano todo e principalmente nas festividades. Andando de bobeira em uma noite de semana, vi o casebre pintado de amarelo onde eles ensaiavam.
![[Image: 330px-Sede_Banda_Phoenix_Pirenopolis_%281%29.jpg]](https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/8/8f/Sede_Banda_Phoenix_Pirenopolis_%281%29.jpg/330px-Sede_Banda_Phoenix_Pirenopolis_%281%29.jpg)
![[Image: 500px-Antigo_Mercado_Pirenopolis_Persio_Forzani.jpg]](https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/4/4d/Antigo_Mercado_Pirenopolis_Persio_Forzani.jpg/500px-Antigo_Mercado_Pirenopolis_Persio_Forzani.jpg)
Não pensei muito e me dirigi para lá. Havia algumas mulheres na porta e perguntei se ainda havia vagas. Elas me pediram para entrar e foram chamar alguém. Olhei em volta e vi o interior de um belo casebre, antigo como o tempo, com algumas crianças tocando instrumentos e olhando para partituras. Não vi nenhum adulto e deduzi que aquele dia era um dia de aula.
Chegou um rapaz e se apresentou. Disse que era um dos ajudantes do maestro local.
O rapaz perguntou se eu tinha vontade de tocar algum instrumento. Falei que tinha interesse mais nas atividades do coro.
Ele me olhou de cima para baixo e me fez uma pergunta técnica sobre canto coral. Foi sutil. Provavelmente queria saber se eu entendia algo de música ou se era alguém que estava ali para aprender.
Era uma pergunta do tipo A ou B, mas eu expliquei que, na verdade, a resposta era C.
A resposta tinha sido correta, porque em seguida ele mudou a postura e quis saber de onde eu era. Disse em qual conservatório estudei e qual minha experiência e de prontidão me passou o telefone direto do maestro. Falou ainda que a orquestra estava precisando de músicos e cantores.
Eu já estava acostumado com a galera do erudito do DF e sua babaquice habitual, além de soberba e arrogância, assim, acho que a minha reação natural foi dar a resposta certa socialmente. Provavelmente outro teria recebido uma desconversa ou não teria o contato do maestro. Mas o principal motivo era a falta de contingente qualificado.
E foi assim que entrei pela janela, no convívio social dos nativos. O normal era que demorasse mais para me enturmar.
Naquele convívio entendi o que significava as raízes das famílias em uma sociedade pequena.
Durante o pouco tempo que estive lá, uma mulher X chamou minha atenção. Tive todo um interesse inicial que foi por água abaixo ao perceber seu sobrenome. Era um desses sobrenomes que tinha lido no livro de genealogia.
Percebi que embora bem tratado ali, havia um muro que dividia a elite de outros locais.
Eu estava acostumado com a lei da hipergamia pelo dinheiro, já conhecido entre todos aqui, mas foi ali que me senti, pela primeira e única vez, um brasileiro sem nome, um membro de classe baixa social.
Se eu fosse um alto servidor público, como um procurador, analista de um tribunal ou algum cargo que fosse de prestígio, rapidamente eu estaria no grupo da elite ali. Não era só uma questão de dinheiro, o prestígio era importante. Pois tal qual todas as elites, a posição social dizia muito. E eu não tinha nome local, logo o nome do cargo selava a minha posição social ali. Sim, a ideia apesar de bizarra e um tanto ridícula, era real.
Algumas famílias daquela cidade criavam seus filhos fazendo-os acreditarem que eram especiais, ,não por feitos próprios mas por serem descendentes longínquos de algum nome de influência. Economicamente, as famílias não eram lá grande coisa, mas tinham em si o elitismo enraizado, tal qual um homem de posses modestas que se achasse importante por ser um descendente esparso de Dom Pedro.
Era estranho, porque intelectualmente, eu sabia tanto ou mais que todos ali. Mas a falta de um bom nome ou um bom cargo como médico ou procurador automaticamente me jogava para uma posição social de segunda linha.
Em compensação, eu sentia nas conversas com os nativos que estavam longe daqueles assuntos, metidos demais à bebida e à assuntos alienantes.
Parecia uma mesquinharia em todos os níveis sociais.
Haveria logo apresentações municipais e eu fui prontamente escalado para a próxima.
Em todo país a festa do Divino Espírito Santo ainda é comemorada. É uma tradição que existe desde a época de Portugal e aqui no Brasil se tornou uma festa mesclada com a tradição e o folclore local.
A festa que antes ocorria fora da cidade, agora ocorre dentro de um local que antes era um estádio de futebol. Durante o período de uma semana a cidade entra em um frenesi local formidável. Falarei dela mais para frente, porque na ordem dos fatos, aconteceu algo antes:
Decidi voltar à igreja durante a semana para uma missa. Provavelmente eu veria as coisas com outros olhos, longe do sol a pino e dos turistas.
A missa transcorreu conforme a liturgia. Eu olhava em volta e via os moradores da cidade. Não havia gente de fora. A tal igreja me pareceu mais tolerável mas eu não conseguia deixar de olhar para as paredes laterais e as esculturas dos santos. Os espaços enormes da parede pareciam estranhos, não entendi porque não haviam sido preenchidos.
Quando cheguei fui continuar minha pesquisa, agora focado mais nas igrejas e um certo fato me deixou perplexo: a tal igreja era uma reconstrução, pois já tinha pegado fogo sem até hoje se descobrir a causa:
![[Image: foto-incendio-igreja-768x664.png]](https://pirenopolisonline.com.br/wp-content/uploads/2023/09/foto-incendio-igreja-768x664.png)
![[Image: 19anos_incendio_igrejamatriz_agitapirenopolis3.jpg]](https://www.agitapirenopolis.com.br/uploads/2021/09/19anos_incendio_igrejamatriz_agitapirenopolis3.jpg)
![[Image: matriz14(520w335).webp]](https://pirenopolis.tur.br/portal/public/images/centrohistorico/matriz/thumbs/matriz14(520w335).webp)
E logo descobri um fato assustador também que para mim respondeu tudo: A tal igreja ficava em cima de um cemitério.
As laterais foram construídas como tumbas de escravos enquanto os brancos eram enterrados no subsolo dentro da igreja.
![[Image: matriz+2.jpg]](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcWVTa5EV5y6oIB9Q_I15CQ3u1bKfLwzgrKFsZ19UKRYnyKCFfl8jYNZnRhLx7WTwcbFKhq1W39XR05x7dZzgLAGuNaQFKsPg8ZwbJgkN8Q3FyXtabs5IhlLYW4dVvdZtt8nPrd-32-9_M/s1600/matriz+2.jpg)
![[Image: matriz+1.jpg]](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhxVwppQrg7ckV-TZrMvJYvkGKVd9WUeFUzDGHogs8qR7m_Yj2DGjIIw_0LUpn6fBX64pNGVZ4XFTF6wZcsSpruLsUTaD5huEcabiNetuenjmKJHgRIyrjxFy8EmfYm412XDrVbeLUo0r1R/s400/matriz+1.jpg)
Debaixo do assoalho, eram sepultados os brancos
Nas minhas pesquisas também descobri que na década de sessenta, quando a praça central que ficava próxima foi construída, ao escavarem o terreno, foram encontradas inúmeras ossadas humanas.
Uma cidade feita com mãe de obra escrava. Então era assim que eram feitas as chamadas cidades históricas desse país?
Aquela cidade estava se revelando uma bela merda.
Relato ficou enorme. Acredito que concluo no próximo. Irei falar sobre a “maravilhosa” festa de gente fantasiada.