05-04-2024, 06:29 PM
(Esta publicação foi modificada pela última vez: 05-04-2024, 06:30 PM por Vital.)
— Queremos todos ser felizes?
Apenas havia pronunciado tais palavras que a uma só voz e espontaneamente aprovaram.
— E que vos parece: quem não tem o que quer é feliz?
— Não, responderam em uníssono.
— Como? Mas então, quem tem o que quer será feliz? Minha mãe, nesse ínterim, tomou a palavra:
— Sim, se for o bem que ele apetece e possui, será feliz. Mas, se forem coisas más, ainda que as possua, será desgraçado.
Sorrindo, e deixando transparecer a minha alegria, disse à minha mãe:
— Alcançaste, decididamente, o cume da Filosofia. Pois, sem dúvida alguma, para exprimir teu pensamento apenas te faltaram as palavras de Cícero. Eis como se expressou ele no "Hortênsio", obra composta para o lou-vor e a defesa da Filosofia:
— Deves dizer-nos agora o que é necessário para sermos felizes e quais as coisas que podemos desejar para chegar à felicidade.
— Convidar-me-ás, repliquei, se o quiseres, para uma ceia no teu aniversário. Tomarei então de boa vontade o que me apresentares. Nessa mesma disposição, convido-te, hoje, à minha mesa. Não peças, pois, manjares que talvez não tenham sido preparados.
Tendo Licencio se desculpado por ter dado ocasião a essa pequena e discreta advertência, retomei:
— Portanto, está entendido, entre nós, que ninguém pode ser feliz, sem possuir o que deseja e, por outro lado, não basta aos que já possuem ter o ambicionado para serem felizes.
Todos concordaram.
Só quem possui a Deus é feliz
11. — Pois bem, prossegui, admitis ser infeliz o homem que não é feliz?
— Sem a menor dúvida.
— Logo, é infeliz quem não possui o que deseja?
Todos aprovaram.
— Então, o que o homem precisa conseguir para ser feliz? Eis talvez aí um bom suplemento ao nosso festim, pois precisamos não esquecer o grande apetite de Licencio. Imagino eu que tal homem desejoso da felicidade deva obter tudo quanto pode querer, à sua vontade?
— Evidentemente, disseram eles.
— Isso significa ser necessário que se procure um bem permanente, livre das variações da sorte e das vicissitudes da vida. Ora, não podemos adquirir à nossa vontade, tampouco conservar para sempre, aquilo que é perecível e passageiro.
Todos se mostraram de acordo a esse respeito, exceto Trigésio que objetou:
— Há muitos homens afortunados que possuem em grande abundância tais bens frágeis e sujeitos ao acaso, e, no entanto, levam vida muito agradável. Nada lhes falta de tudo quanto desejam.
— Na tua opinião, disse-lhe eu, achas poder ser feliz o homem sujeito a receios?
— Não me parece ser possível, respondeu ele.
— E poderá viver sem receio, quem pode vir a perder o que ama?
— Impossível, confirmou ele.
— Ora, todos esses bens sujeitos à mudança podem vir a ser perdidos. Por conseguinte, aquele que os ama e possui não pode ser feliz de modo absoluto.
Não tendo Trigésio replicado, minha mãe tomou a palavra:
— Ainda que alguém tivesse a certeza de não perder tais bens frágeis, contudo, nunca viria a se contentar com o que já possui. Portanto, a pessoa seria infeliz pelo fato de querer sempre mais.
— Nesse caso, argumentei, aquele que possuísse bens em abundância, rodeado de benefícios sem conta, supon-do que pusesse limite a seus desejos e que vivesse satisfeito com o que possuísse, no gozo honesto e agradável desses bens, a teu parecer seria ele feliz?
— Não seriam essas coisas que o tornariam feliz, mas a moderação de seu espírito.
— Muito bem! Não poderia haver melhor resposta à minha pergunta, nem outra poderia eu esperar de ti. Por conseguinte, estamos convencidos de que, se alguém quiser ser feliz, deverá procurar um bem permanente, que não lhe possa ser retirado em algum revés de sorte.
— Já concordamos com isso, diz Trigésio.
— Então, qual a vossa opinião? É Deus eterno e imutável?
— Eis aí uma verdade tão certa que qualquer questão se torna supérflua, interveio Licencio.
Em piedosa harmonia, todos os outros disseram-se de acordo. Concluí então:
— Logo, quem possui a Deus é feliz!
Quem possui a Deus?
12. Todos aceitaram essa conclusão, com alegria e entusiasmo. Disse então:
— Resta-nos apenas procurar uma coisa: quem entre os homens possui a Deus? Pois, sem dúvida, tal homem será feliz. Dizei, por favor, qual o vosso pensamento sobre esse ponto.
Licencio opinou:
— Possui a Deus quem vive bem.
— Possui a Deus quem faz o que Deus quer que se faça, disse Trigésio.
Lastidiano aderiu a essa opinião. Adeodato, o mais jovem de todos, sugeriu então:
— Possui a Deus quem não tem em si o espírito imundo.
Quanto à minha mãe, aprovou todas as opiniões, prin-cipalmente a última. Navígio calava-se. Como lhe pergun-tei o que pensava, declarou que a reflexão de Adeodato fora a que mais lhe agradara. Não pensei deverme abs-ter de perguntar ao próprio Rústico qual era sua ideia a respeito de tão grave questão, pois me pareceu ser mais por timidez do que por deliberação o seu silêncio. Pôs-se em conformidade com a opinião de Trigésio.
Se quiser ler o livro completo, acesse:
https://agostinianos.org.br/wp-content/u...-Feliz.pdf
Apenas havia pronunciado tais palavras que a uma só voz e espontaneamente aprovaram.
— E que vos parece: quem não tem o que quer é feliz?
— Não, responderam em uníssono.
— Como? Mas então, quem tem o que quer será feliz? Minha mãe, nesse ínterim, tomou a palavra:
— Sim, se for o bem que ele apetece e possui, será feliz. Mas, se forem coisas más, ainda que as possua, será desgraçado.
Sorrindo, e deixando transparecer a minha alegria, disse à minha mãe:
— Alcançaste, decididamente, o cume da Filosofia. Pois, sem dúvida alguma, para exprimir teu pensamento apenas te faltaram as palavras de Cícero. Eis como se expressou ele no "Hortênsio", obra composta para o lou-vor e a defesa da Filosofia:
Citação:"Há certos homens — certamente não filósofos, pois sempre prontos a discordar — que pretendem ser felizes todos aqueles que vivem a seu bel-prazer. Mas tal é falso, de todos os pontos de vista, porque não há desgraça pior do que querer o que não convém. És menos infeliz por não conseguires o que queres, do que por ambicionar obter algo inconveniente. De fato, a malícia da vontade ocasiona ao homem males maiores do que a fortuna pode lhe trazer de bens".A essas palavras, minha mãe proferiu tal exclamação que, olvidando de todo o seu sexo, parecia-nos ver alguma grande personagem assentada entre nós. Compreendia eu, no entanto, quanto me era dado, de que fonte divina ela hauria essa sabedoria. Licencio pediu-me então:
— Deves dizer-nos agora o que é necessário para sermos felizes e quais as coisas que podemos desejar para chegar à felicidade.
— Convidar-me-ás, repliquei, se o quiseres, para uma ceia no teu aniversário. Tomarei então de boa vontade o que me apresentares. Nessa mesma disposição, convido-te, hoje, à minha mesa. Não peças, pois, manjares que talvez não tenham sido preparados.
Tendo Licencio se desculpado por ter dado ocasião a essa pequena e discreta advertência, retomei:
— Portanto, está entendido, entre nós, que ninguém pode ser feliz, sem possuir o que deseja e, por outro lado, não basta aos que já possuem ter o ambicionado para serem felizes.
Todos concordaram.
Só quem possui a Deus é feliz
11. — Pois bem, prossegui, admitis ser infeliz o homem que não é feliz?
— Sem a menor dúvida.
— Logo, é infeliz quem não possui o que deseja?
Todos aprovaram.
— Então, o que o homem precisa conseguir para ser feliz? Eis talvez aí um bom suplemento ao nosso festim, pois precisamos não esquecer o grande apetite de Licencio. Imagino eu que tal homem desejoso da felicidade deva obter tudo quanto pode querer, à sua vontade?
— Evidentemente, disseram eles.
— Isso significa ser necessário que se procure um bem permanente, livre das variações da sorte e das vicissitudes da vida. Ora, não podemos adquirir à nossa vontade, tampouco conservar para sempre, aquilo que é perecível e passageiro.
Todos se mostraram de acordo a esse respeito, exceto Trigésio que objetou:
— Há muitos homens afortunados que possuem em grande abundância tais bens frágeis e sujeitos ao acaso, e, no entanto, levam vida muito agradável. Nada lhes falta de tudo quanto desejam.
— Na tua opinião, disse-lhe eu, achas poder ser feliz o homem sujeito a receios?
— Não me parece ser possível, respondeu ele.
— E poderá viver sem receio, quem pode vir a perder o que ama?
— Impossível, confirmou ele.
— Ora, todos esses bens sujeitos à mudança podem vir a ser perdidos. Por conseguinte, aquele que os ama e possui não pode ser feliz de modo absoluto.
Não tendo Trigésio replicado, minha mãe tomou a palavra:
— Ainda que alguém tivesse a certeza de não perder tais bens frágeis, contudo, nunca viria a se contentar com o que já possui. Portanto, a pessoa seria infeliz pelo fato de querer sempre mais.
— Nesse caso, argumentei, aquele que possuísse bens em abundância, rodeado de benefícios sem conta, supon-do que pusesse limite a seus desejos e que vivesse satisfeito com o que possuísse, no gozo honesto e agradável desses bens, a teu parecer seria ele feliz?
— Não seriam essas coisas que o tornariam feliz, mas a moderação de seu espírito.
— Muito bem! Não poderia haver melhor resposta à minha pergunta, nem outra poderia eu esperar de ti. Por conseguinte, estamos convencidos de que, se alguém quiser ser feliz, deverá procurar um bem permanente, que não lhe possa ser retirado em algum revés de sorte.
— Já concordamos com isso, diz Trigésio.
— Então, qual a vossa opinião? É Deus eterno e imutável?
— Eis aí uma verdade tão certa que qualquer questão se torna supérflua, interveio Licencio.
Em piedosa harmonia, todos os outros disseram-se de acordo. Concluí então:
— Logo, quem possui a Deus é feliz!
Quem possui a Deus?
12. Todos aceitaram essa conclusão, com alegria e entusiasmo. Disse então:
— Resta-nos apenas procurar uma coisa: quem entre os homens possui a Deus? Pois, sem dúvida, tal homem será feliz. Dizei, por favor, qual o vosso pensamento sobre esse ponto.
Licencio opinou:
— Possui a Deus quem vive bem.
— Possui a Deus quem faz o que Deus quer que se faça, disse Trigésio.
Lastidiano aderiu a essa opinião. Adeodato, o mais jovem de todos, sugeriu então:
— Possui a Deus quem não tem em si o espírito imundo.
Quanto à minha mãe, aprovou todas as opiniões, prin-cipalmente a última. Navígio calava-se. Como lhe pergun-tei o que pensava, declarou que a reflexão de Adeodato fora a que mais lhe agradara. Não pensei deverme abs-ter de perguntar ao próprio Rústico qual era sua ideia a respeito de tão grave questão, pois me pareceu ser mais por timidez do que por deliberação o seu silêncio. Pôs-se em conformidade com a opinião de Trigésio.
Se quiser ler o livro completo, acesse:
https://agostinianos.org.br/wp-content/u...-Feliz.pdf