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[REFLEXÃO] Visões Ideológicas e Distorção da Realidade
#1
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Freqüentemente, ao confrontar opiniões, podemos nos deparar com respostas cujo conteúdo se limita a carregar pacotes de proibições relativas à participação no debate. A justificativa pode exigir modificações diversas em sua superfície, mas a própria estrutura motivacional permanece a mesma: cada palavra é imediatamente censurada com base em alguma característica pessoal de seu autor – cor, sexo, classe, religião, direcionamento político etc. Um exemplo recente desse comportamento pôde ser observado nas várias discussões internet afora sobre a invasão de uma aula na USP de Ribeirão Preto por Poliana Kamalu, uma militante do Coletivo Negro da USP de Ribeirão Preto, onde quaisquer críticas a seu comportamento eram prontamente censuradas por meio de respostas do tipo: “branco não pode opinar sobre assunto de negro” – logo seguidas por uma “justificativa” padronizada, como:

Citação:“Branco não é oprimido para entender a opressão que vivemos”

Ou, quando partia dos mais radicais:
Citação:“Um branco sempre defenderá seus privilégios de opressor”

O mesmo tipo de negação é encontrado em vários outros movimentos que compartilham da mesma estrutura ideológica. Um exemplo é o feminismo: “homem não pode falar sobre feminismo porque não é mulher para saber o que é viver uma constante opressão” e/ou “o homem sempre defenderá a estrutura opressora para manter a mulher oprimida e garantir seus privilégios de opressor”. Outro exemplo, que para muitos não parece se enquadrar na categoria, são as “justificativas” do tipo “vivemos em um estado laico”.

A primeira parte das “justificativas” pode ter algum sentido, uma vez que experiências têm sua importância na formação das idéias e no desenvolvimento das capacidades de análise e entendimento do indivíduo sobre determinada situação ou teoria, enquanto a segunda é meramente um preconceito absurdo não apenas contra o indivíduo discordante, nem mesmo contra suas idéias, muito menos contra sua pessoa, mas contra todo um grupo em que esteja inserido, seja esse grupo étnico, sexual, de classe, ideológico, religioso etc. – independentemente da sensação de pertença que este indivíduo possa ter em relação ao próprio grupo. Resumindo, o indivíduo é automaticamente tomado como desonesto e mal intencionado com base em sua cor, sexo, religião, classe ou qualquer outra característica pessoal que o insira, voluntariamente ou não, em uma ou mais das diversas classificações insistentemente encontradas na retórica militante com o objetivo de definir de uma vez por todas os resultados de qualquer confronto ou análise intelectual. Não é a honestidade nem a intenção daquele indivíduo específico que estão sendo colocados em dúvida, mas de todo um grupo (temos aqui um dos vários exemplos da tremenda hipocrisia existente nos movimentos que afirmam lutar contra o preconceito).
Ainda a primeira justificativa, mesmo tendo sua parcela de lógica e se apresentando inocentemente vestida, esconde sob tais vestes quantias consideráveis de desonestidade, que partem da própria estrutura da ideologia. Apesar da importância da experiência, ela nem sempre é necessária, uma vez que a própria razão, somada à observação, conhecimento, sensibilidade e diversos outros fatores humanos permitem a um indivíduo minimamente capaz ligar os pontos. Além disso, a experiência muitas vezes pode ser extremamente maléfica, uma vez que suas cargas emocionais podem definir de maneira decisiva a forma como uma pessoa vê o mundo, viciando completamente seu intelecto, sua sensibilidade e sua consciência. Tomados isoladamente, inteligência, experiência e emoções não passam de coisas ocas, capazes de gerar mais mal do que bem. A lógica mais perfeita, mesmo somada a todo tipo e quantidade de dados e fatos, erigindo a mais genial e racional estrutura teórica, não tem valor algum se divorciada da realidade. Honestidade e sede de verdade são fundamentais, mas ainda assim o controle de si se faz mister, uma vez que mesmo os mais geniais, sinceros e bem-intencionados podem ser levados ao auto-engano pela menor fraqueza interior.
Uma pequena frase proferida em outra recente invasão do movimento negro pode dizer muito, se analisada num momento de suspensão ideológica e emocional:

Citação:“Quando o oprimido fala, o opressor cala a boca”

Tamanho absurdo contido em tão poucas palavras deveria se revelar imediatamente a qualquer pessoa comum: a frase em si já é gritantemente auto-refutável. Ora, se o opressor deve se calar assim que o oprimido falar, então há algo muito errado nas potencialidades do “oprimido” e do “opressor”. Imagine, por exemplo, que um escravo diga algo para o senhor de engenho que, ao ser interrompido, imediatamente receba do escravo a ordem para calar a boca, levando o senhor a reações de silêncio, cabeça baixa e ouvidos atentos a tudo que o escravo tem a lhe dizer. É justamente esse o absurdo da frase e a realidade da situação: os monopolizadores do status de “oprimidos” se apresentavam em posição de poder, enquanto aqueles involuntariamente jogados no balaio dos “opressores” se encontravam plenamente impotentes e submissos. Que raios de relação de opressão é essa? Algum fetiche modernista de inversão de papéis?

Muitos poderiam tomar o parágrafo anterior como simplificação exagerada. A estes, devo dizer que concordo (parcialmente). Obviamente, a questão é muito mais complexa. Ao lidar com as palavras de algum movimento, a mera comparação com a realidade é insuficiente: é necessário analisar muito mais que suas teorias e propostas; é preciso cavar até suas raízes, buscando as diversas influências ideológicas – com suas visões respectivas – que estruturam o movimento em questão. Só assim poderemos entender como a realidade pode ser superada pela ideologia, sendo gradualmente sobreposta e, então, completamente substituída.

Apesar de termos como “marxismo cultural” ou “gramscismo” se tornarem cada vez mais comuns nas análises da direita, o tronco é ainda mais antigo – e suas raízes, mais profundas. A esmagadora maioria dos movimentos que clamam lutar pelas minorias têm como base um tipo específico de visão sobre o homem e sua natureza, a visão irrestrita. Em Conflito de Visões, o economista Thomas Sowell apresenta as visões restrita e irrestrita. Enquanto a visão restrita parte do pressuposto de que há limitações inerentes ao homem por sua própria natureza, a visão irrestrita acredita fortemente que o indivíduo é essencialmente bom, tendo suas potências e virtudes limitadas pelo meio em que vive, suas instituições e suas experiências. Se a primeira busca entender que a natureza humana é essencialmente imutável, a segunda acredita na possibilidade de sua transformação em direção à plena realização de suas potencialidades morais e intelectuais. Por consegüinte, enquanto a visão restrita confia em incentivos e processos sistêmicos (cultura, mercado, sabedoria coletiva etc.), a irrestrita acredita fortemente em soluções ideais, depositando sua confiança no planejamento e nas capacidades de uma elite moral e intelectual.

O alinhamento a uma dessas visões não implica na discórdia dos valores e objetivos compartilhados pelos adeptos da visão oposta: a discórdia se dá em relação aos meios necessários para se atingir tais objetivos e ao conteúdo de conceitos comuns a ambas as visões – como, por exemplo, justiça, igualdade, liberdade etc. Como uma visão se fia em processos e outra em resultados, um mesmo conceito como, por exemplo, igualdade, é visto como igualdade de processos por uma e como igualdade de resultados por outra. Para a restrita, se todos têm as mesmas oportunidades, há igualdade, independentemente dos resultados. Para a irrestrita, se com as mesmas oportunidades um conseguiu obter um resultado melhor que o outro, não há igualdade.

A princípio, não há necessariamente relação entre visão restrita e irrestrita com direita ou esquerda, porém, praticamente toda esquerda atual tem seu pensamento definido pela visão irrestrita. A crença no potencial do ser humano leva a visão irrestrita a colocar um peso tremendo na sinceridade, tendo nessa virtude um dos fatores decisivos em sua argumentação. Como conseqüência, para o partidário da visão irrestrita é inconcebível que um indivíduo inteligente e honesto tenha escolhido a visão oposta. Resumindo: Um adepto da visão restrita normalmente é visto como corrupto ou ignorante pelos adeptos da visão irrestrita (a recíproca, porém, não é verdadeira, uma vez que, pressupondo limitações na natureza humana – que também afetam indivíduos moral e intelectualmente superiores -, a visão restrita permite acreditar na sinceridade e nas boas intenções dos partidários da visão oposta).

Temos aqui uma explicação (entre várias) para o ódio cego encontrado nas palavras e atitudes de tantos militantes. Argumentos contrários expostos por um indivíduo intelectualmente capaz são automaticamente recebidos como palavras desonestas proferidas por um indivíduo moralmente corrompido que visa algum benefício pessoal. Também há casos – normalmente quando partem de pessoas “comuns” – em que argumentos opostos são tomados como mero reflexo da ignorância ou de alguma espécie de construto do “preconceito estrutural” impregnado na sociedade. 

Entre as várias conseqüências de uma visão irrestrita, podemos encontrar a idéia de uma “estrutura opressora”, formada pela sedimentação de sucessivas discriminações e constantemente alimentada por estigmatizações, responsável pela limitação de determinadas minorias.

Em Enquiry Concerning Political Justice, de 1793 (possivelmente o primeiro tratado sobre o assunto), William Godwin apresenta um conceito de justiça social semelhante ao que conhecemos hoje. Sua visão irrestrita fez com que visse a justiça social como uma tarefa onipotente e exigente, devido à crença de que todos temos uma “dívida com nossos próximos” que inclui “todos os esforços que poderíamos envidar para seu bem-estar e todo o alívio que poderíamos dar para suas necessidades”. Godwin também acreditava que nenhuma pessoa era unicamente responsável pelo que tem: considerava que suas propriedades, seus talentos e até mesmo seu tempo livre não tinham sido conquistados individualmente, mas apenas lhe eram possíveis devido à contribuição de todos os indivíduos durante a História. Com base nisso, rejeitou a “suposição de que temos o direito, como se tem dito, de fazer o que queremos com o que é nosso”, chegando à seguinte conclusão: “Na verdade, estritamente falando, não temos nada que seja nosso”.

Ainda quando originadas, idéias são colocadas em um determinado espaço, onde se espera que cresçam e se desenvolvam. Como não poderia deixar de ser, o tempo se encarrega de arrastar essas idéias em uma direção específica de sua própria estrada. Desenvolvimentos óbvios de uma idéia que afirme que ninguém é únicamente responsável por aquilo que conquistou podem ser reconhecidos hoje em termos como “dívida histórica”“opressão estrutural”“estigmatização” etc.

É interessante observar que Godwin tinha esses deveres como morais, não políticos, ou seja, não deveriam ser forçosamente impostos por um estado assistencial ou por um governo socialista. Sua própria crença na força desse imperativo moral era suficiente para que defendesse a propriedade privada e o laissez-faire – tamanha convicção o levou a condenar todo governo como mau. Ironicamente, sua própria análise levou outros pensadores a se oporem ao laissez-faire e à propriedade privada.

Sim, pode parecer estranho que a quase totalidade das atuais ideologias que têm como base uma visão irrestrita tenha chegado à conclusões completamente diferentes daquelas que seus primeiros pensadores tinham em mente. Então, é comum que os mais “desconfiados” cogitem a possibilidade de algum tipo de infecção ideológica. Mas não devemos nos esquecer que idéias não permanecem indefinidamente imutáveis, sendo constantemente arrastadas e transformadas pelo tempo. E, naturalmente, tamanha confiança nas capacidades morais e intelectuais do ser humano levaria à fortíssimas convicções de uma obrigação moral do uso dessas dessas capacidades para a construção de um bem comum. Logo, é facilmente compreensível que tal visão tenha permitido o florescimento de um número tão grande de tais correntes de pensamento.

A noção de que todos têm direito a alguma parte da riqueza produzida por uma sociedade simplesmente por fazerem parte dela é fundamental para tal conceito de justiça social. Dessa forma, mesmo aqueles que jamais tenham produzido nada em suas vidas são considerados detentores de tais direitos, uma vez que tal visão os entende como “co-herdeiros” da sociedade. Como co-herdeiros de uma prosperidade criada coletivamente por várias gerações, seu direito à parte da riqueza social não pode ser entendida como uma questão de caridade, mas de justiça. Posteriormente, desdobramentos de tais concepções acabam por levar à teorias relativas à mobilidade social: Uma vez que cada indivíduo é considerado co-herdeiro das riquezas produzidas pela sociedade, grupos considerados mais favorecidos são responsabilizados indiretamente pela situação dos menos favorecidos: diferenças sociais passam a ser entendidas como reflexo de uma estrutura limitante, uma vez que se cogita que um indivíduo menos favorecidos poderia se encontrar em melhor situação caso tivesse recebido desde o começo o que lhe é considerado devido.

Desse modo, conceitos atuais como estado de bem estar social e ação afirmativa são logicamente consistentes com a visão irrestrita, uma vez que ilustram os papéis dos direitos e interesses contidos nela: todos os membros de uma sociedade têm interesse em empregos, educação e outros benefícios. Porém, ao considerar que membros de grupos menos favorecidos têm seus direitos negados por padrões históricos de discriminação, interesses que são comuns a todos passam a perder seu peso em relação ao que uma visão irrestrita entende por direitos. Assim, apesar de todo indivíduo, independentemente do grupo em que se encontre, ter interesses semelhantes e sofrer as mesmas perdas quando seus interesses lhe são negados (vaga em faculdade, emprego ou outros benefícios), perdas sofridas por membros das chamadas “minorias” recebem maior peso por uma visão irrestrita, uma vez que tal visão os considera marcados por estigmas de inferioridade gerados por discriminações históricas. Em contrapartida, perdas semelhantes sofridas por indivíduos não considerados minoria não podem ser entendidas como motivadas por algum tipo de preconceito inverso, uma vez que tais membros não considerados estigmatizados por tal visão – ou seja, uma mesma injustiça sofrida por um negro e por um branco recebe pesos distintos, com base na cor do invíduo vitimizado. Por esse motivo, atitudes de “preconceito inverso” (como racismo de negros contra brancos) são automaticamente desconsideradas: não apenas por serem compreendidas como uma “justa revolta oprimido contra o opressor”, mas principalmente pela crença de que discriminações passadas seguem reverberando no presente, resultando em limitações sociais – limitações que automaticamente passam a ser jogadas numa espécie de conta da história, aumentando cada vez mais uma “dívida” imaginária, que acreditam ter o direito de cobrar de todos aqueles apontados como responsáveis pela ideologia.

Isoladamente, um único aspecto desse tipo de visão já é suficiente para entender como uma garota rica – que freqüentou um dos colégios mais caros do país e estuda numa das faculdades mais conceituadas, cujo poder aquisitivo permitiu viajar pelo mundo e conhecer lugares que a maioria dos brasileiros, negros ou brancos, classe baixa ou classe média, jamais conhecerão – pode verdadeiramente se sentir discriminada e oprimida, mesmo diante daqueles que pertencem a classes infinitamente mais baixas (uma vez que a cor da pele já basta para preencher os requisitos exigidos pelos padrões de qualidade necessários para ganhar o selo de “opressor” distribuído pela ideologia). Ideologias têm poder suficiente para submeter a seu bel-prazer a própria realidade. Ao exercer suas forças sobre um indivíduo, toda superioridade moral e intelectual se reduzem à mais completa insignificância, sendo imediatamente engolidas pela ideologia, que se sobrepõe à própria realidade, gerando uma espécie de inversão de cosmovisão em sua vítima, que, levada a tomar a ideologia sobreposta como única realidade, passa a desconsiderar a realidade esmagada como mera ideologia.

Emoções oriundas de uma única crença não conseguem se manter isoladas no interior do indivíduo. Um piscar de olhos é suficiente para que saiam de seu claustro em busca de outras emoções geradas por uma mesma visão – e suas respectivas modificações ideológicas. Uma vez somadas, tais emoções passam a se alimentar constantemente umas das outras, gerando deformações perceptivas no indivíduo, para quem toda e qualquer situação vivida passa a servir de reforço às próprias crenças. Sugado pelo círculo vicioso, o indivíduo tem sua existência substituída por um pesadelo ideológico, levando uma vida marcada por medo, raiva, angústia, inferioridade, impotência, desesperança e tantas outras emoções. Prometendo um fim definitivo para o pesadelo que criou, a ideologia leva sua vítima a buscar doses cada vez maiores do mesmo remédio ideológico, que atua no alívio temporário dos sintomas – ao custo do fortalecimento permanente da doença.

Por isso mesmo, é bem possível que, mesmo com todo dinheiro, status e privilégios, muitas atitudes de certos militantes (como a da menina que invadiu a USP de Ribeirão Preto), não sejam mera hipocrisia. Levando em consideração o funcionamento do motor ideológico, a hipótese de que haja sinceridade em tais atitudes deixa de ser estranha. Toda análise deve ser conduzida cautelosamente, levando em conta toda possibilidade e empregando toda paciência. Devemos sempre evitar conclusões precipitadas, o que não significa que devamos baixar a guarda e descartar um possível oportunismo. Afinal, por maior que seja o número de fantoches de uma ideologia, sempre haverá algum oportunista ideológico tentando fazer carreira.



Link para o artigo: http://institutoshibumi.org/conservadori...realidade/
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#2
mandando um up nesse moleque
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#3
porra, 6 da manhã, calma aí que eu vou ler esse trem aí
The absence of virtue is claimed by despair






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#4
Depois comenta o que achou
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