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[PSICOLOGIA] O Processo de Elaboração do Luto
#1



O Processo da Elaboração do Luto
 


Para compreendermos a elaboração do processo do luto, é preciso entrar em contato com os conceitos encontrados na literatura sobre este assunto, como pesar, melancolia, tristeza, dentre outros termos usualmente utilizados. Isso se faz necessário para a compreensão do que se passa com uma pessoa enlutada e, para, assim, contribuir para percebermos os aspectos “sutis" diferenciados decorrentes do luto e da depressão e, dessa forma, elaborarmos um diagnóstico mais preciso. 


Há grande controvérsia em relação aos conceitos existentes entre os termos referentes à dor da perda. As dificuldades terminológicas ainda persistem, havendo algumas restrições para o uso do termo “luto”, como uma tarefa psíquica bem precisa a desempenhar, com a função de fazer com que as lembranças e esperanças do sobrevivente se desvinculem do morto. Bowlby (2002), no entanto, discorda dessa restrição, pois acredita que o termo “luto” pode ser usado não apenas em processos de perdas reais, como a da morte, mas que o mesmo termo pode ser usado em todos os processos que envolvem reações às perdas, tanto real como simbólicas. 


Podemos pensar a palavra luto a partir dos estudos originados da Psicanálise. Em 1917, no seu clássico artigo “Luto e Melancolia”, Freud introduz na literatura seu conceito, até então pouco explorado. A tarefa principal do luto estaria relacionada somente a processos psicológicos nos quais a pessoa enlutada pudesse ser capaz de transformar as recordações do morto, desvinculando-se da pessoa perdida, e elaborar a perda de uma forma saudável (BROMBERG, 2000). 


Na concepção psicanalista, o trabalho no processo de elaboração de luto envolve a necessidade do indivíduo em recolher sua energia (libido) e suas fantasias destrutivas que estavam dirigidas ao objeto, agora perdido. Se isso não ocorrer, essa libido pode voltar contra si mesmo. 


Nesses casos, o luto pode tornar-se mal-elaborado, podendo levar ao desenvolvimento da melancolia ou lutos. Portanto, de acordo com essa perspectiva, luto é um processo que, necessariamente, envolve morte e que, se não for bem elaborado, pode ser considerado como melancolia, tornando-se, assim, um processo patológico.



Citação:
O que nos interessa, do ponto de vista clínico, é a possibilidade de um luto mal-elaborado, em que predominam os objetos introjetados persecutórios. 
Isto leva a lutos patológicos ou quadros melancólicos, em que a depressão é persecutória, carregada de culpa. Não raro, esses indivíduos, agora identificados com esse objeto morto, inconscientemente, passam a viver como 'mortos'- a melancolia seria um exemplo típico (KOVÁSC,1992, p. 102).



Esse uso restrito do termo luto, definido há algumas décadas por Freud, é considerado por alguns autores como algo inaceitável. Para Bowlby (2004, p. 14), a palavra luto pode ser usada em vários outros processos psicológicos envolvendo perda, sendo estes sadios ou patológicos.
 



Citação:
Assim se fossemos aceitar a injunção para restringir o termo 'luto' da maneira proposta, teríamos de limitá-lo aos processos psicológicos com um resultado que só é predeterminado como ótimo, mas que, agora temos boas razões para saber, e como o próprio Freud com razão suspeitava, nunca é completamente atingido [...]. Os processos que levam a qualquer resultado diferente seriam, por definição, excluídos e teriam portanto de ser descritos por outros termos.



Portanto, de acordo com Bowlby (2004), toda perda significativa pode ser definida como luto, ao contrário do que Freud defendeu. É possível que, para experienciar a dor de uma perda, não necessariamente esta precisa ser real, como a morte. A perda simbólica, como o divórcio, pode ser tão dolorosa quanto a perda com a morte física de um ente querido. 


A morte pode ser considerada como sendo um processo psíquico bastante angustiante, no sentido de que deparamos com o “não-saber”. A perda da capacidade de controle em relação ao desconhecido faz com que o medo da impotência diante da morte possa ser percebido como algo extremamente ruim e doloroso, causando, muitas vezes, sentimento de desamparo. Em geral “O não-saber é uma das coisas mais apavorantes para o ser humano. Perde-se a capacidade de controle, fica-se submisso a algo desconhecido e isso é desesperante” (KOVÁSC, 1992, p. 92). O processo de luto pode ser descrito como a perda de algo ou alguma coisa todos os dias. Nesse sentido, a morte está presente em todas as etapas da vida. 


Para a autora, para que os processos de luto não se tornem algo insuportável para o ser humano, este cria mecanismos de defesa para tentar controlar seus sentimentos de impotência diante do “não-saber”. 


Esses mecanismos para lidar com a morte podem ser representados através de fantasias prazerosas, tais como idéias: reencontros pós-morte, Deus e vida eterna, paraíso como recompensa após a partida, sensação de retorno ao útero materno, dentre outras. Há também as fantasias persecutórias, como figuras diabólicas relacionadas aos pecados mundanos, sentimentos de culpa e remorso. Em alguns casos, as fantasias são tão violentas que o indivíduo recorre aos pensamentos suicidas como algo capaz de aliviar tais fantasias. 


Quando utilizamos mecanismos de defesa, como as fantasias prazerosas, estamos tentando transformar a impotência em onipotência. Tentamos ainda driblar a morte através de recursos cada vez mais sofisticados, tecnologicamente falando, como técnicas e instrumentos médicos capazes de ações idênticas a milagres divinos. 


Enfrentamos também a impotência diante da morte através da fé onipotente de que algo existe além da morte física. Nessa perspectiva, é possível dizer que profissionais da área de saúde, ao escolherem suas profissões, podem estar, inconscientemente, tentando travar uma luta contra a morte.



Citação:
Ante a percepção de nossa impotência, por vezes 'percepção' inconsciente, nos defendemos através da onipotência. A certeza de uma vida pós-morte pode ser resultado desse segundo mecanismo. Embora possamos saber se ela existe ou não, o que se observa é que essa certeza decorre da necessidade de enfrentar a impotência, inclusive a impotência do não-saber (KOVÁSC, 1992, p.97).



Porém, se olharmos através de uma perspectiva individual, a morte vence a vida, no sentido de que todos morrerão um dia, mas, na ótica da perspectiva através da espécie, a vida vence a morte, uma vez que os genes são perpetuados de geração em geração, através do processo de reprodução humana. Portanto, somos estruturados através da fusão das pulsões de vida e das pulsões de morte. Esse conjunto de pulsões é que faz com que nossa espécie continue vivendo.
 



Citação:
Basicamente o que é postulado por Freud e grande parte de seus seguidores é que vivemos constantemente num estado de conflito entre Eros e Tanatos, pulsões de vida e pulsões de morte. As primeiras levam ao crescimento,  desenvolvimento, integração, reprodução, manutenção da vida; as segundas fazem o movimento inverso, de desintegração, tentando levar o indivíduo para um estado inorgânico, a morte. Estes dois grupos de pulsões estão 'fundidos', funcionando sempre juntos, completando-se e opondo-se, num processo dialético (KOVÁSC, 1992, p.95).



Podemos exemplificar esses dois grupos fundidos através da agressividade humana. A pulsão de morte com a pulsão de vida leva o sujeito a apresentar agressividade normal, também chamada de vigor. Se este falta, pode impedir o homem de exercer funções básicas de sobrevivência, inclusive a capacidade de reprodução da espécie. 


Portanto, a morte faz parte da vida, está presente todos os dias e inspira as ações dos seres humanos, sejam estas conscientes ou não. O importante é tomar consciência das limitações e das potencialidades do ser humano, para que este viva com mais qualidade.










REFERÊNCIAS


 
BOWLBY, J. Apego e perda: a natureza do vínculo. Tradução de Álvaro Cabral. V. 1. São Paulo: Martins: Martins Fontes, 2002. 
 
BROMBERG, M.H. P.F. A Psicoterapia em situações de perdas e luto, Campinas: Livro Pleno, 2000. 
 
KOVÁSC, M.J., Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1992. 





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