11-06-2024, 09:01 AM
(Esta publicação foi modificada pela última vez: 11-06-2024, 09:03 AM por Héracles.)
Spoiler Revelar
Terminei de ler este livro recentemente (mais precisamente, ontem) e falando honestamente, talvez ele se afaste um bocado da temática realista... geralmente eu recomendo livros que tenham alguma ligação latente com os assuntos que discutimos por aqui. Porém, por ser um livro muito rico de informações religiosas e conteúdo histórico, além de tratar de algumas questões políticas proeminentes na discussão global, e também por ser bastante interessante no sentido de proporcionar muitas reflexões de cunho moral especialmente em relacionamentos homem/mulher, eu resolvi escrever essa breve sinopse a partir do meu ponto de vista.
Primeiramente é preciso ressaltar que por causa desse livro o autor Salman Rushdie teve sua cabeça posta a prêmio:
Citação:O romance "Os versos satânicos", do autor anglo-indiano Salman Rushdie, começou a gerar ódio entre muçulmanos assim que foi lançado no Reino Unido, em 26 de setembro de 1988. Dias depois de chegar às prateleiras na Europa, o livro foi banido pelo governo indiano. Logo, África do Sul, Paquistão, Egito, Indonésia e vários outros países tomaram a mesma medida. Ainda em outubro daquele ano, a editora Viking Press recebeu milhares de cartas com ameaças. Em dezembro, cerca de 7 mil pessoas reunidas em Bolton, na Inglaterra, queimaram cópias da obra exigindo seu banimento na terra da rainha.
O pior ainda estava por vir. No início de 1989, protestos em vários países geraram sérios distúrbios. Seis pessoas morreram e mais de 80 ficaram feridas quando milhares de manifestantes, exigindo a morte de Rushdie e o banimento global do livro, atacaram um centro de cultura americana em Islamabad, no Paquistão. No dia 14 de fevereiro de 1989, o aiatolá Rurollah Khomeini, então o líder supremo do Irã, editou um pronunciamento legal (fatwa) exortando todos os muçulmanos a assassinar o escritor. Logo depois, diferentes organizações ofereceram prêmios milionários pela morte dele. (O Globo)
OBS: Ele chegou sim a ser esfaqueado, mas sobreviveu.
Toda essa polêmica se deu pela forma como o autor interpreta os primeiros fatos históricos do islã, onde relata-se que o arcanjo Gibreel fez revelações em versos ao profeta Maomé – no livro sendo chamado de Mahound, que possui uma conotação satânica em alguns lugares – do que depois viria a ser o livro sagrado do Alcorão. Pois bem, inegável que essas revelações no decorrer da narrativa tem uma conotação irônica e até cômica em muitos aspectos. Sem querer dar spoiler, mas os versos satânicos propriamente ditos seriam uma dessas revelações que o arcanjo recomenda ao profeta que aceita-se a autoridade de outras Deusas que eram cultuadas na época (Al-lat, Manate e Uza), mas após alguns acontecimentos ele (Mahaund) resolve voltar atrás na sua declaração afirmando que havia sido iludido pelo diabo no momento dessa visão (revogo os versos satânicos). Essa passagem está logo nos primeiros capítulos do livro que tem 582 páginas.
Pois bem, a narrativa é bastante interessante para se conhecer mais sobre a cultura do islã e mais propriamente da Índia, lugar bastante estranho para nossa visão ocidental de mundo, mas que inegavelmente possui uma cultura riquíssima, especialmente se a comparamos com o nosso Bananil. A leitura é envolvente, eu particularmente não achei cansativa, todos os personagens são muito bem desenvolvidos e você fica verdadeiramente curioso para saber o que diabos vai acontecer a seguir.
Essa é uma interpretação bastante pessoal minha, mas eu tive a impressão que o autor brinca com essa questão da não linearidade do tempo, coisas no passado e presente acontecem ao mesmo tempo e você fica intrigado tentando tecer um fio condutor que ligue tudo, tentando entender as mensagens subliminares de cada frase proferida, “o que isso tem haver com o que acontecer lá trás no passado, e vice versa”.
As questões atuais na discussão política global ao qual eu me referi, diz respeito às imigrações... mais especificamente a imigração para Inglaterra de uma multidão de estrangeiros, especialmente indianos e mulçumanos. Na minha interpretação, as duas opiniões políticas sobre isso são bem abordadas e eu sinceramente não percebi algum ativismo do autor para esse ou aquele lado, o que seria de se esperar uma vez que ele mesmo é um imigrante indiano. São retratados fatos, de forma imparcial, explicitando os dilemas de ambas as visões políticas sobre o tema. Com certeza por ter vivido essa realidade, o cotidiano indiano em um pais ocidental é muito detalhadamente descrito, juntamente com todas as questões de aceitação e rejeição desse povo pelos nativos, inclusive sendo esse um dos grandes impasses dos protagonistas.
Uma questão que me chamou atenção, e que no final acabou tendo uma importância fundamental e definitiva para a tragédia do romance, é sobre relacionamentos amorosos e a liberdade sexual feminina, e talvez por isso mesmo a leitura seja recomendada aqui na Real. São levantados muitos pontos para reflexão, sobre como o relacionamento de um homem com uma mulher pode ser um fator definitivo de mudança e de desgraça na vida do sujeito... a busca por uma validação social, o não reconhecimento de uma pessoa de valor na nossa vida devido a vaidade, como a submissão de um homem a uma mulher pode ser perigoso, como um desejo alimentado com inveja pode ser a erva daninha numa pessoa e como o ciúme doentio colocará tudo, literalmente tudo a perder.
Reflexões de cunho filosófico sobre como encaramos e levamos a vida, sobre as ilusões que nos deixamos cair também são extensivamente abordadas, além é claro, do poder da fé religiosa na mente das pessoas. Até onde a realidade vai? Onde é a divisão do real e do divino? Existe de fato um além ou é tudo uma questão de perspectiva, de interpretações viciadas? O que é mais real, ciência ou a fé... ou seja, o que é mais verdadeiro na vida de um ser humano? Quanto o fanatismo religioso tem poder de transformar o real em metafísica?
Enfim, você vai encontrar isso e muitos mais nesse livro, e seguramente vai ficar com uma sensação estranha e incomoda no final, uma sensação de “o que era real, o que era ilusão...o que diabos aconteceu aqui?”.
"Compreendi o tormento cruciante do sobrevivente da guerra, a sensação de traição e covardia experimentada por aqueles que ainda se agarram à vida quando seus camaradas já dela se soltaram." (Xeones para o rei Xerxes)