Que livros estão lendo?

[Myers]

Como dito anteriormente, recentemente eu li Flores para Algernon e foi uma baita surpresa positiva. Me recordo de muitos poucos livros que me emocionaram tão profundamente quanto este, e muito disso devido a simplicidade da escrita. Escrever coisas que tocam a alma de forma simples, eis o grande diferencial dos grandes escritores. 

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A história se passa sendo contada pelo próprio personagem principal através da atualização de diários. Parece que esse estilo de narrativa deixa as coisas ainda mais pessoais para quem vai ler, aproxima os personagens... me veio em mente que alguns dos grandes títulos da literatura mundial também seguem esse molde, como "Drácula" e "Os Sofrimentos do Jovem Werther". Essa imersão no universo do narrador é o que faz total diferença. Os primeiros registros nos diários continham muitos erros de escrita, são até difíceis de ler... mas a medida que o personagem evolui seus erros vão sumindo, e a profundidade das suas conjecturas e a claridade das suas expressões vai aumentando. E isso foi um dos aspectos que mais me cativaram, a ênfase que é indiretamente dada na capacidade de se expressar. 

Percebemos que uma pessoa que não sabe escrever, ou escreve muito mal, não tem como se relacionar muito bem com o mundo... o fato de ele não conseguir se expressar de forma clara evidencia que ele não percebe as coisas de forma clara... seu intelecto e suas faculdades perceptivas não estão alinhadas, uma atrapalha a outra. A incapacidade de uma pessoa em fazer digressões demonstra que ela tem incapacidade de perceber as nuances dos relacionamentos interpessoais, ou dito de outra forma, que a pessoa só percebe o grosseiro, o óbvio e o que as suas próprias crenças dizem, o que pode ser caracterizado como um grau de neurose. Primeiro aspecto importante que encontramos nessa narrativa que deve ser lavado em conta: aprender a se expressar!; a acessar suas memórias e impressões sobre as coisas através da organização das palavras visando uma descrição... uma espécie de metanálise do seu espírito que pode até ser considerado como um método de terapia. Talvez cometendo o erro de ser chato, mas eu já recomendei infinitas vezes aqui no fórum que devemos aprimorar a escrita sempre... e esse é mais um livro que corrobora as minhas opiniões. 

A história em si também é bastante interessante porque se formos analisar é um tema muito popular na cultura moderna. O fetiche em potencializar as capacidades mentais/intelectuais. Quem aqui já não pesquisou e mesmo implementou "técnicas" ou mesmo medicamentos para melhorar a capacidade cognitiva? E quem aqui já não sofreu com a própria incapacidade intelectual? No livro, essas aflições são levadas aos extremos, pois vamos acompanhando as diferentes pertubações de um homem que num momento era um "retardado" (termo usado no próprio livro),  que culmina se tornando o gênio em todos os sentidos, mas não por isso sofrendo menos como ele imaginava no início... talvez até sofrendo mais; e que retorna a ser um retardado e justamente essa parte é emocionante ao extremo. Reflita por um instante: o quão desesperador pode ser o momento em que você perceba que você não é mais capaz? Que o seu intelecto rápido e perspicaz está te abandonando? que o seu comportamento errático causa sofrimento aos que estão a sua volta? que o que sobrou foi o que você fez, e não o que você é? e você tem total consciência que logo vai ser substituído... que precisa ser substituído... que é, enfim, melhor que que você seja substituído... essas são algumas das questões existências contidas na história, questões que permeiam o consciente e inconsciente de qualquer ser humano que busca evolução em algum sentido.  

Impossível não fazer um paralelo entre o que Charlie Gordon enfrenta no seu processo de evolução com a nossa própria vida. E tranquilamente podemos trazer essa reflexão mais especificamente para a real. Nunca aquela frase clichê fez tanto sentido quanto aqui... aquela que diz que "a ignorância é uma benção". A incapacidade mental do Sr. Gordon impedia que ele percebesse o quão ele era miserável, mas também impedia que ele percebesse que mais conhecimento não significa menor miséria existencial... muito pelo contrário inclusive. Sua desgraça pessoal se torna cada vez maior a medida que ele percebe seus horizontes se expandindo mas ainda assim é incapaz de compreender a complexidade das relações humanas, e chega ao seu ápice quando ele se percebe sozinho no seu mundo, mais uma vez, mesmo tendo compreendido tudo quanto é possível. 

Percebemos que o espectro das emoções humanas é muito distinto do espectro intelectual, e progresso destas não se dá de forma homogênea. Trazendo a discussão mais uma vez para a real, lembremos que essa é uma característica constantemente lembrada pelos mais antigos... o desenvolvimento emocional é tão fundamental quanto qualquer outro que você almeje, justamente porque é o seu emocional que te acompanha em todas as horas, mesmo aquelas horas em que você se percebe totalmente sozinho, isolado...seja fisicamente ou mentalmente. E é o seu emocional que vai te proporcionar a capacidade de segurar o rojão como homem, quando você começar a perceber que não é mais capaz, que não é mais necessário. É o seu emocional que vai te proporcionar ter a virilidade suficiente para poder abandonar sem medo e mantendo a dignidade tudo aquilo que você mais amou um dia, se assim for o melhor a ser feito. 

Levem esse livro para toda a vida. 

Quando ele faz a homenagem para o algernon é bem emocionante, vou ver depois o filme de 2000 baseado no livro