02-09-2022, 11:55 AM
(Esta publicação foi modificada pela última vez: 02-09-2022, 12:00 PM por Héracles.)
I
Depois de um tempo, vou postar sobre 2 livros que me chamaram a atenção recentemente. Porém eu gostaria de fazer 2 observações importantes antes de falar sobre os livros em si.
II
A primeira observação que é direcionada aos mais jovens, e consiste em alegar que esse tópico é sem dúvida uma das minas de ouro do fórum, conforme já falei em outras oportunidades. Muitos dos dilemas e dos problemas que enfrentamos rotineiramente estão respondidos aqui, para quem tiver a perspicácia de observar com cuidado.
Outra é uma consideração pessoal que o tempo e a vivência me ensinaram. Hoje em dia, minhas leituras são mais espaçadas, feitas ao ar livre, mais demoradas e eu confio que de melhor qualidade. Abandonei o hábito de ler - ou seja, consumir idéias de outros - nas melhores horas do meu cérebro e passei a refletir e a escrever ... passei a criar. E quando digo criar, não me refiro a "ser produtivo" - como está na moda - algo que se tornou vazio, pejorativo, sinônimo de uma atividade inútil maquiada de virtude. Aos homens que buscam de fato o conhecimento, o tempo nos ensina a priorizar a qualidade e não a quantidade... por isso eu deixo de lado toda leitura prolixa, ou a leitura de coisas que vão me agregar pouco ou quase nada e que são feitas unicamente para massagear o meu próprio ego e exaltar uma ideia de intelectualidade pela prática da leitura obsessiva. Eu leio quando minha alma sente sede. Esse hoby - se assim posso chamar - não deixou de ser menos importante, na verdade é ainda mais importante que nunca... por isso priorizo as coisas boas. Toda leitura cansativa ou a feita num estado de ânimo do tipo "estou fazendo algo", numa espécie de "produtividade dos campeões" eu tendo a evitar.
Com essa prática de focar em coisas profundas e de grande extensão para minha constituição, eu percebo como a grande maioria das coisas publicadas não passa de tagarelice, da falsidade, de embuste. Qualquer coisa que não pareça original deve ser deixado de lado, ou seja, quem não escreve com sangue não merece ser lido. Dito isso, vamos aos livros:
Com essa prática de focar em coisas profundas e de grande extensão para minha constituição, eu percebo como a grande maioria das coisas publicadas não passa de tagarelice, da falsidade, de embuste. Qualquer coisa que não pareça original deve ser deixado de lado, ou seja, quem não escreve com sangue não merece ser lido. Dito isso, vamos aos livros:
III
Spoiler Revelar
Dostoiévski dispensa apresentações. O simples fato de ser um relato autobiográfico do tempo em que ele passou encarcerado numa prisão Siberiana já é motivo suficiente para ser lido. Uma das considerações que me chamaram mais a atenção, que podemos fazer um paralelo com a real é a percepção do fato de que nenhum criminoso, por mais cruel e sanguinário que tenha sido, se arrepende do seu crime. Todos tem a consciência limpa quanto ao ato cometido, inclusive fazem menções e recordações da cena numa espécie de terceira pessoa que só tinha como único caminho óbvio, cometer a transgressão. O arrependimento que alguns sentem não é do crime mas da descoberta do crime. Isso sim é um martírio para quem se encontra privado da liberdade, a descoberta, o julgamento público.
A reflexão que temos é a seguinte: todo ato de crueldade e violência cometido contra outra pessoa é uma espécie de instinto de sobrevivência. A valoração de certas almas é completamente distinta do que encontraremos na maioria das pessoas que vivem em uma sociedade organizada balizada por regras de conduta. A sobrevivência destes depende do sofrimento alheio - que é bom lembrar, apresenta-se em muito níveis - e até da subtração da vida de algum ser vivo. Muitos consideram sem nenhum sinal de remorso que o crime foi na verdade um favor feito a vítima, o ato cometido é uma representação da força do agressor que pode ter um efeito inebriante sobre a sua presa - dito de outra forma, algumas pessoas precisam ser vítimas como uma espécie de justificação da própria existência. Fica claro, ao decorrer a narrativa como essas considerações são apresentadas factivelmente.
O autor faz profundas digressões sobre como o espírito humano é profundo e insondável, paradoxalmente como é similar e parecido entre si. Como as aparências podem e vão enganar. Puxando para a realidade, fica a observação que cada pessoa com a qual você interage é um universo único cheio de falhas, que vive balizado pelo instinto de sobrevivência próprio, crueldades e mesmo atos de benevolência não dizem respeito ao objeto em si, mas a própria consciência do individuo que os faz.
IV
A minha segunda observação diz respeito ao trabalho forçado. Quem vê de fora, pensa que a grande pena dos condenados a prisão na Sibéria é o labor desumanamente penoso e bruto, mas não é exatamente isso. Existe sim esse trabalho forçado, mas ao que é descrito não é tão duro assim, pelo menos não tanto quanto à de qualquer mujique da época que com certeza trabalhava muito mais arduamente que os presidiários. A grande pena, a grande tortura, que poderia destruir até o melhor dentre eles era o trabalho forçado INÚTIL. Isso era precisamente a grande horror dos condenados, que dada essa situação o suicídio era algo a ser considerado seriamente.
O trabalho inútil é capaz de destruir por completo a alma de qualquer homem, o destruindo de dentro para fora da maneira mais torturante possível. O autor nos relata coisas como ficar o dia todo cavando um buraco, para no final do dia tampá-lo de novo, pintar paredes para depois lixá-las e deixá-las como no início, carregar pedras de um monte para outro, etc... todo homem submetido a esse tipo de tortura psicológica virá a sucumbir. Os presos faziam vários tipos de trabalho, e os que tinham uma finalidade real eram até disputados por eles, mesmo sendo muito mais penosos que esses sem objetividade, afinal, davam algum sentido de utilidade para a pessoa.
Acho que não é preciso muito esforço para fazer um paralelo com a nossa contemporaneidade. Quanta gente se encontra nessa situação de desamparo, trabalhando mesmo que em um emprego bem remunerado, mas que ao final das contas não se vê utilidade prática. Quantos jovens - e velhos - não chegam aqui se sentindo desprezíveis e inúteis. Talvez a resposta seja essa falta de objetividade. O único destino possível de uma pessoa nessa condição é a angustia e a auto flagelação. Provavelmente as observações feitas pelo autor sobre esse trabalho sem finalidade é em si mesmo uma crítica ao avanço da sociedade comercial pautada exclusivamente em transações financeiras. Em todo caso, o que se pode dizer é que se o homem não ver sentido no trabalho que estiver fazendo ele irá sim se autodestruir, começando por um regresso psicológico que procura amparo a qualquer custo em coisas e pessoas até ao estágio anterior a própria vida em si.
Para não cometer o erro de ser demasiado cansativo, em outra ocasião mais oportuna comentarei sobre o outro livro que eu ACHO que pode ser de valia ao conhecimento realista como um todo.
O trabalho inútil é capaz de destruir por completo a alma de qualquer homem, o destruindo de dentro para fora da maneira mais torturante possível. O autor nos relata coisas como ficar o dia todo cavando um buraco, para no final do dia tampá-lo de novo, pintar paredes para depois lixá-las e deixá-las como no início, carregar pedras de um monte para outro, etc... todo homem submetido a esse tipo de tortura psicológica virá a sucumbir. Os presos faziam vários tipos de trabalho, e os que tinham uma finalidade real eram até disputados por eles, mesmo sendo muito mais penosos que esses sem objetividade, afinal, davam algum sentido de utilidade para a pessoa.
Acho que não é preciso muito esforço para fazer um paralelo com a nossa contemporaneidade. Quanta gente se encontra nessa situação de desamparo, trabalhando mesmo que em um emprego bem remunerado, mas que ao final das contas não se vê utilidade prática. Quantos jovens - e velhos - não chegam aqui se sentindo desprezíveis e inúteis. Talvez a resposta seja essa falta de objetividade. O único destino possível de uma pessoa nessa condição é a angustia e a auto flagelação. Provavelmente as observações feitas pelo autor sobre esse trabalho sem finalidade é em si mesmo uma crítica ao avanço da sociedade comercial pautada exclusivamente em transações financeiras. Em todo caso, o que se pode dizer é que se o homem não ver sentido no trabalho que estiver fazendo ele irá sim se autodestruir, começando por um regresso psicológico que procura amparo a qualquer custo em coisas e pessoas até ao estágio anterior a própria vida em si.
V
Para não cometer o erro de ser demasiado cansativo, em outra ocasião mais oportuna comentarei sobre o outro livro que eu ACHO que pode ser de valia ao conhecimento realista como um todo.
"Compreendi o tormento cruciante do sobrevivente da guerra, a sensação de traição e covardia experimentada por aqueles que ainda se agarram à vida quando seus camaradas já dela se soltaram." (Xeones para o rei Xerxes)