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A entrada triunfal em Jerusalém - parte 2
#1
A entrada triunfal em Jerusalém - parte 2
Postado por O Puritano.

[Image: j6E3KkUM_t.jpg]

Leia a parte 1 aqui.

Para avaliar melhor o que acontece em seguida, é necessário entender algo sobre os sentimentos judaicos com relação a Roma. Em 63 a.C., as legiões romanas sob as ordens de Pompeu puseram termo ao estado judaico independente, ao conquistarem Jerusalém e derrubarem o rei. Embora Israel tivesse retornado do seu exílio na Babilônia centenas de anos antes, a era de ouro predita pelos profetas ainda não se materializara. Em vez disso, Israel labutava sob a ditadura militar opressiva de uma nação pagã. Os judeus se desgastavam debaixo do jugo da lei romana. Após 35 anos da morte de Jesus, os judeus estariam em rebelião total contra Roma, resultando finalmente na destruição de Jerusalém, em 70 d.C. Nesse meio tempo, Israel era caldeirão de desassossego. Os judeus ansiavam por um libertador messiânico que restauraria a Israel de uma vez para sempre o trono de Davi e estabeleceria o Reino de Deus na terra.

Os profetas do Antigo Testamento falaram da vinda desse rei davídico, e os judeus ansiavam pelo cumprimento das suas profecias. Durante seu ministério, Jesus evitou o pronunciamento público de que era o Messias prometido. Os estudiosos de Novo Testamento discutem longamente acerca do dito tema do “segredo messiânico” que perpassa o Evangelho de Marcos. Em Marcos, Jesus nunca diz publicamente que é o Messias, e, quando as pessoas o reconhecem como tal, como na grande confissão de Pedro em Marcos 8:29 — “Tu és o Cristo” ou “Tu és o Messias” —, Jesus lhes ordena estritamente que não digam a ninguém sobre ele.

Agora, em Marcos 11, com essa entrada triunfal em Jerusalém, tudo muda.

Jesus estava impregnado do Antigo Testamento, conforme sabemos pela sua discussão com os escribas judeus. Ele conhecia e entendia das profecias do rei vindouro de Israel que restauraria o trono de Davi. Ele tinha de modo particular absorvido as profecias do livro de Zacarias. Zacarias falara de um pastor designado por Deus sobre o seu povo e, no capítulo 13, o profeta diz que o pastor será ferido e as ovelhas, dispersadas. Em Marcos 14:27, Jesus aplica essa profecia a si mesmo, quando diz aos discípulos que todos eles o abandonarão. Ele diz: “Todos vós desertareis, porque está escrito [citando Zacarias 13]: Ferirei o pastor, e as ovelhas se dispersarão”: Jesus está aplicando a si mesmo as profecias de Zacarias.

Portanto, o que Jesus está fazendo quando monta no filhote da jumenta e desce o monte das Oliveiras sobre ele até entrar em Jerusalém? Observem que esse é o único caso registrado nos evangelhos no qual Jesus andou montado em vez de caminhar (mesmo sendo apenas cerca de 3 quilômetros), e os peregrinos que vinham para a festa da Páscoa vinham normalmente a pé. Jesus, então, faz aqui algo singular. Mas o que isso significa? De que trata tudo isso? A resposta é que Jesus está cumprindo deliberadamente a profecia de Zacarias no capítulo 9, versículos 9-10. Ouçam-na:

Alegra-te muito, ó filha de Sião;

exulta, ó filha de Jerusalém;

o teu rei vem a ti; ele é justo e traz a salvação;

ele é humilde e vem montado num jumento, num jumentinho, filho de jumenta.

Eu darei fim aos carros de Efraim, aos cavalos de Jerusalém,

e o arco de guerra será destruído. Ele anunciará paz às nações

e o seu domínio se estenderá de mar a mar, e desde o Rio até as extremidades da terra.

Jesus está deliberada e provocativamente afirmando que é o rei prometido de Israel, aquele que restabelecerá o trono de Davi. Seu modo de agir é como uma parábola viva, representada para revelar a sua verdadeira identidade. O segredo messiânico é agora notícia escancarada. A entrada triunfal mostra-nos a autoconsciência messiânica e quem ele considerava ser. Ele se identificou com o Pastor-Rei predito por Zacarias.

O ponto não passou despercebido pela multidão. As pessoas começaram a espalhar suas capas na estrada como um tapete vermelho para Jesus passar sobre elas montado no jumentinho, ação reminiscente da maneira como o povo espalhou suas capas no chão, em 2 Reis 9:13, quando Jeú foi ungido rei de Israel. Elas cortavam ramos de palmeiras e de outras árvores folhosas, como os judeus faziam em outros festivais e celebrações, e os espalharam no caminho de Jesus. Então, as pessoas, talvez se lembrando de como o cego Bartimeu em Jericó tinha clamado repetidamente por Jesus como “Filho de Davi”, passam agora a entoar as palavras de Salmos 118:25-26: “Hosana! [ou Salva-nos, SENHOR!] Bendito seja o que vem em nome do SENHOR!”, e as outras respondiam: “Bendito é o reino vindouro do nosso pai Davi! Hosana nas alturas!”.

Pensem num anticlímax! Jesus não purifica o templo, não lidera a turba contra a fortaleza romana, nem mesmo faz um discurso inflamado. Ele apenas olha ao redor e vai embora! O que talvez explique por que ele não foi preso de imediato. A sua entrada triunfal na cidade não era algo que os romanos estavam esperando ou nem mesmo entendiam, e a procissão de Jesus provavelmente apenas se misturou com a multidão da Páscoa logo que eles alcançaram Jerusalém.

Mas que decepção para aqueles que tinham aclamado a sua entrada! Que tipo de Messias era esse? Que espécie de libertador é esse? Nos dias seguintes, Jesus purificou realmente o templo, mas não levantou um dedo contra os romanos. Em vez disso ele disse: “Dai a César o que é de César” (Mc 12:17). Quem precisa de um rei desses?

Pela sexta-feira, as multidões estavam tão desencantadas com Jesus que o sacerdócio do templo, que tramara sua prisão e entrega aos romanos sob a pérfida acusação de se dizer “Rei dos judeus”, pôde fazê-las se voltarem contra ele. E agora elas bradavam não gritos de “Hosana!”, mas “Crucifica-o! Crucifica-o!”. E, por isso, Jesus foi levado à cruz para morrer, como ele sabia que teria de ser.

Que lição podemos tirar da narrativa da entrada triunfal de Jesus? Deixem-me mencionar duas. Primeira, constatamos o senhorio de Jesus. A crucificação de Jesus não foi acidente que caiu sobre ele inadvertidamente quando visitava Jerusalém. Antes, Jesus entendeu e abraçou o seu chamado para submeter-se a morte tão excruciante. De fato, ele provocou deliberadamente os eventos que levariam à sua execução. Ele entendeu que era o Pastor-Rei profetizado em Zacarias e assumiu abertamente esse papel na sua entrada triunfal em Jerusalém. Durante todo o processo, demonstrou a presciência dos eventos da sua paixão: o fato de encontrar o jumentinho, as providências para sua última refeição de Páscoa no salão superior da casa, a traição de Judas, a tripla negação de Pedro, a deserção dos discípulos, sua entrega aos gentios, seus açoites, humilhações e execução. Ele anunciou todas essas coisas antecipadamente, mostrando-se dessa maneira como o Senhor da história.

Há hoje uma teologia que está fazendo incursões na igreja cristã, chamada de “Teísmo Aberto”. Essa teologia sustenta que Deus não tem presciência nem é capaz de conhecer com antecipação os livres atos dos seres humanos e, portanto, só consegue adivinhar o futuro. Dizem que ele é um Deus que se arrisca, que joga com a sorte, e que às vezes perde. As predições da paixão, como as que analisamos hoje, mostram que o Teísmo Aberto está errado. Jesus sabia, e sabia com tantos detalhes que não poderia ter sido adivinhação, exatamente o que lhe aconteceria naquela semana em Jerusalém. O Teísmo Aberto, portanto, deprecia inevitavelmente a pessoa de Cristo. Vemos no relato da entrada triunfal a revelação do senso de senhorio de Jesus, à medida que ele dirige os eventos para os fins antecipadamente conhecidos.

A segunda lição está relacionada com a primeira: Jesus nem sempre atende às nossas expectativas. Os judeus esperavam o rei que seria um grande líder militar como Davi, que lançaria fora o jugo de Roma e estabeleceria pela força o reino de Deus. Ao lermos algumas profecias do Antigo Testamento, podemos entender por que os judeus alimentavam essas expectativas; eles não deixavam de ter razão em hipótese alguma. Mas Jesus era radicalmente diferente das suas expectativas. Quando ele entrou montado em Jerusalém, ele não fez isso num cavalo, símbolo da batalha e o preferido dos conquistadores, como Pompeu havia feito. Ele não usou nem mesmo uma mula, o corcel dos reis judaicos, como o próprio Davi. Ao contrário, ele escolheu um jumentinho, um animal inferior, um animal de carga, como sua montaria real. Como Zacarias tinha profetizado, ele veio humildemente trazendo a paz. O Reino de Deus que ele pregou e inaugurou não era reino terreno, político, mas a lei de Deus no coração daqueles que o conhecem e o servem. Mas esse não era o reino que as pessoas esperavam nem queriam, e assim elas rejeitaram Jesus como seu Senhor.

À medida que crescemos na nossa vida cristã, todos enfrentamos situações nas quais Deus não cumpre as nossas expectativas. Talvez ele não conceda à sua vida um parceiro com quem casar. Ou pode ser que você descubra que seu casamento não atendeu às suas expectativas. Ou talvez tenha sido preterido numa promoção ou posição realmente merecida. Ou talvez a doença ou a tragédia se abateu sobre a sua vida de maneira inesperada.

E a tentação em todas essas situações é lançar fora aquilo que a fé cristã ensina e fazer as coisas ao seu modo. Casa-se com a pessoa incrédula que está apaixonada por você. Entra com uma ação de divórcio. Fica ressentido e amargo por causa das oportunidades perdidas. Desiste de confiar no amor de Deus por você e deixa de confiar nele. À medida que amadureço na fé cristã, vejo esse tipo de coisas acontecerem repetidamente na vida de amigos cristãos. Quando Deus não está à altura das nossas expectativas, então nos livramos dele e fazemos as coisas da maneira que nós entendemos que elas deveriam ser ou ficamos ressentidos com ele por não nos dar aquilo que queremos.

O que quero dizer aqui é aquilo que a primeira lição nos ensina: Jesus é Senhor. Ele não tem nenhuma obrigação de viver à altura das nossas expectativas. Se a escolha dele é dar a você uma vida de sofrimento e dificuldades, de decepções e fracassos, ele é Senhor. Por isso, há muitos de nós que parecem pensar que, se Jesus não atende às nossas expectativas, então o rejeitaremos da mesma maneira como as multidões o rejeitaram. Mas Cristo é Senhor e não está obrigado a atender às nossas expectativas a respeito dele. Cristo jamais prometeu uma vida feliz aos seus seguidores. O discípulo não está acima do seu mestre, e o Mestre escolheu o caminho do Gólgota. Se vocês são chamados para trilhar a mesma vereda, essa é uma prerrogativa do Mestre.

O que estou dizendo é que devemos adequar as nossas expectativas àquilo que Deus decreta, não adequar Deus às nossas expectativas. Cristo é Senhor e ele sabe o que é melhor. Se tentarmos adequá-lo às nossas expectativas, àquilo que é aceitável para nós, ou se o rejeitarmos, então, essa é a vereda para a autodestruição. Não devemos ser como as pessoas de Jerusalém, que aclamaram Cristo como seu rei só até o ponto em que ele se ajustava à imagem que tinham de como deveria ser um rei. Antes, ao contrário, devemos reconhecê-lo verdadeiramente como nosso Rei, nosso Senhor, nosso Soberano, e receber de suas mãos tudo quanto ele decretar.


Este texto faz parte do projeto: Segunda das Relíquias Perdidas.
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