01-11-2020, 09:54 PM
(Esta publicação foi modificada pela última vez: 17-02-2021, 10:45 AM por hjr_10.)
Salve camaradas.
Esse tópico julgo ser de muita importância para todos nós. Foi um prazer poder destacar algumas informações que fui colhendo nas últimas semanas e compila-las aqui.
O que é o inquérito das Fake News? Quem instaurou? É legal? E O Processo, de Kafka? Por que citam ele? Posso só assistir ao filme? Qual a relação entre tudo isso?
São perguntas que poderemos responder aqui.
Creio que esse texto inicial irá ficar extenso, então vou tentar fazer de tudo para tornar a leitura dos camaradas agradável.
O PROCESSO - Franz Kafka
A grande conclusão é que K. passa toda a história sem nem sequer ter ideia do motivo de ter sido processado. Ele não tem acesso a absolutamente nada. Não tem a quem recorrer.
O INQUÉRITO DO FIM DO MUNDO – O Apagar das Luzes do Direito Brasileiro
O que vocês acham que vai acontecer daqui em diante nesse inquérito infindável das Fake News?
Esse tópico julgo ser de muita importância para todos nós. Foi um prazer poder destacar algumas informações que fui colhendo nas últimas semanas e compila-las aqui.
O que é o inquérito das Fake News? Quem instaurou? É legal? E O Processo, de Kafka? Por que citam ele? Posso só assistir ao filme? Qual a relação entre tudo isso?
São perguntas que poderemos responder aqui.
Creio que esse texto inicial irá ficar extenso, então vou tentar fazer de tudo para tornar a leitura dos camaradas agradável.
O PROCESSO - Franz Kafka
Citação:“Alguém certamente havia caluniado Josef K. pois uma manhã ele foi detido sem ter feito mal algum”
Assim é o início do clássico espetacular e inigualável do gênio quase intragável Franz Kafka, intitulado O Processo.
Josef K. acorda, no seu aniversário de 30 anos, preso. Os agentes ali presentes para vigiá-lo também não sabem o motivo, mas ele está preso.
Josef K. pode continuar trabalhando normalmente no banco onde possui um bom cargo. Pode andar pela rua, fazer compras, exatamente tudo que já fazia. Mas está sendo processado por alguma coisa.
Uma das inúmeras reflexões interessantes que se extrai dessa obra é que Josef K. no início não estava dando muita bola ao processo, mas com o passar do tempo, o personagem se joga na história e vai atrás de várias pessoas que supostamente podem ajuda-lo a resolver todo esse imbróglio. Chega um momento em que ele não mais se preocupa em saber o teor do processo, já que é inocente, e sim passa a buscar formas de se provar inocente.
Isso acontece no livro A Metamorfose.
Citação:“Gregor Samsa, ao acordar de sonhos intranquilos, encontra-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso”
Samsa deveria se preocupar em “como virei um inseto? Como foi possível?”, mas não, ele está preocupado na forma como sua família e chefe reagirão a isso. Muito estranho, de fato.
A cada mínimo avanço de K. ele descobre que a burocracia judicial é tanta que ele está, na verdade, cada vez mais distante de um desfecho.
Josef não tem acesso ao seu processo. Não tem acesso aos funcionários do alto escalão do tribunal. Ora, está sendo processado por algo que não sabe (ninguém sabe) e mesmo assim não consegue obter informações no próprio tribunal. Guardem essa informação.
A força estatal do tribunal é tão grande que todos fazem parte do tribunal, inclusive as crianças capetinhas que atormentam o pintor Titorelli, que na minha opinião é, depois de Josef K., o personagem mais absurdo do livro.
O pintor, apesar de morar num cubículo mofado sem janelas, parece saber de muita coisa que acontece no tribunal. Em um diálogo como K., ele diz que há três desfechos para o diretor do banco buscar: absolvição real, absolvição aparente e processo arrastado. O pintor deixa claro que não conhece casos de absolvição real e, portanto, as duas outras opções são melhores. A absolvição aparente, como o próprio nome já diz, é uma absolvição temporária, não legítima. Você é inocente, estará livre, mas não oficialmente. Isso me retoma à mente alguns casos em que pessoas tiveram que, mesmo estando 100% certas, abrir mão de várias coisas em um processo judicial.
Outro personagem interessante é o advogado que K. contrata, recomendado por seu tio. O velho é doente e não consegue mais levantar da cama. Só atrapalha, não ajuda em absolutamente nada. Com palavras e discursos rebuscados, faz parecer que sabe de tudo o que acontece dentro do tribunal.
Aqui, gostaria de convidar os camaradas que leram a obra para uma reflexão que pude perceber no livro e que não vi nenhuma outra pessoa comentar. Pode ser um tanto quanto conspiracionista, mas achei bem pertinente. Vamos lá:
Toda vez que as coisas estavam se clareando para K., ele se envolvia com alguma mulher. Uma delas era a empregada desse velho advogado. Os dois passaram a ter um caso sexual, ao passo que se encontravam frequentemente. Mas, em um dos diálogos entre o advogado e Josef, o jurista deixou escapar que ela se engraça apenas com os CULPADOS que chegam para procurar seus serviços. Não vi ninguém reparar nisso, mas se tratando de Kafka, tenho certeza que isso foi um resquício de obscuridade dele, para dar ainda mais suspense e estranheza à obra.
Bom, as coisas vão acontecendo e K. continua sem saber o motivo de ter sido processado.
No final, ele dialoga com um padre dentro da igreja/presídio (hein?), que conta a parábola Diante da Lei (vou colocar logo abaixo, em spoiler).
Spoiler Revelar
Muitos dizem ser esse o grande desfecho para se entender a história. Sinceramente, não consegui fazer as devidas associações.
O final do livro é assustador.
A grande conclusão é que K. passa toda a história sem nem sequer ter ideia do motivo de ter sido processado. Ele não tem acesso a absolutamente nada. Não tem a quem recorrer.
O INQUÉRITO DO FIM DO MUNDO – O Apagar das Luzes do Direito Brasileiro
Organizado por Cláudia R. de Morais Piovezan, promotora de justiça; cada capítulo foi escrito por um autor diferente, ao passo que temos Flávio Morgenstern (linguista), Ludmila Lins Grilo (juíza), Rogério Greco (grande jurista), entre outras pessoas com cargos importantes (promotores e procuradores)
O livro fala das ilegalidades e vícios contidos no inquérito policia nº 4.781, conhecido como Inquérito das Fake News, instaurado pelo então presidente do STF, ministro Dias Toffoli, e presidido por seu COMPARÇA, ministro Alexandre Moraes.
ANTES DE MAIS NADA: O INQUÉRITO HAVIA SIDO ARQUIVADO!
Antes de falarmos das ilegalidades do Inquérito nº 4.781, é dever deixar registrado aqui que o referido inquérito foi arquivado pela então Procuradora Geral da República, senhora Raquel Dodge (que tanto criticávamos, quem diria). Só a título de informação, a Procuradoria Geral da República é a autoridade máxima do Ministério Público brasileiro.
Depois do arquivamento da PGR, vários outros Procuradores de primeiro grau também arquivaram as partes do processo que estavam em suas respectivas mãos.
O artigo 18 do Código de Processo Penal deixa claro que o inquérito deve ser arquivado nos casos de “falta de base para denúncia”.
Citação:Art. 18. Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia.
A palavra final acerca do arquivamento da investigação criminal sempre coube ao Ministério Público, tendo em vista a PGR.
Ocorre que o senhor Alexandre de Moraes, de notável saber jurídico e reputação ilibada (afinal, ser advogado do PT e do PCC não mancha o currículo de ninguém), sentenciou indeferindo o arquivamento da senhora PGR e dos outros Procuradores.
Em sua sentença, Moraes afirmou que a doutora Raquel Dodge havia baseado seus argumentos em premissas absolutamente equivocadas e inconstitucionais.
O QUE É INQUÉRITO E O QUE É PROCESSO?
Em um dos capítulos do livro, o Procurador de Justiça do RJ e também professor na UERJ, Marcelo Rocha Monteiro, explica a diferença entre inquérito e processo, tendo em vista que é um assunto que causa confusão de conceito não só entre os leigos, mas até para os juristas que atuam em outras áreas.
Nas palavras do Doutor Marcelo, inquérito na esfera criminal é um procedimento investigatório, onde a polícia, através de denúncia, inicia uma investigação para obter provas de que o crime efetivamente aconteceu, bem como o autor do delito. Após a conclusão dessa investigação, o Delegado de Polícia encaminha relatório ao Ministério Público (Promotor se for competência Estadual e Procurador se for competência federal). Se o MP entender como suficiente a investigação, irá peticionar a um juiz criminal para que o suposto autor seja processado. Ou seja, o inquérito é conduzido pela autoridade policial (E NÃO PELO STF, CANALHAS MALDITOS!).
Já o processo é quando o juiz criminal decide ADMITIR, RECEBER, ACEITAR, a petição que vimos agorinha do Ministério Público. O processo é presidido pelo juiz.
Aqui, é importante deixar claro que o juiz não interfere nas investigações justamente por precisar ser imparcial.
Nessa linha, temos de trazer, agora, o artigo 252 do Código de Processo Penal:
Citação:Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que:
I - tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito;
II - ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha;
III - tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão;
IV - ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito.
Podemos ir além: tendo em vista o artigo acima citado, não é necessário nem uma quantidade mínima de neurônios cerebrais para perceber que o juiz não pode fazer o papel também de acusador ou vítima. É dizer: se é juiz, então, obviamente, não pode ser o acusador; se é juiz, então, obviamente, não pode ser a vítima.
Temos ainda o artigo 254 do CPP:
Citação:Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes:
I - se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;
II - se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia;
III - se ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes;
IV - se tiver aconselhado qualquer das partes;
V - se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes;
Vl - se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo.
COMO SE DEU O INQUÉRITO DO FIM DO MUNDO?
Chamado de Inquérito do Fim do Mundo pelo senhor Marco Aurélio, Ministro do STF, tudo começou quando o Presidente da Suprema Corte brasileira, Ministro Dias Toffoli, através da Portaria GP Nº 69, no dia 14/03/19, instaurou o Inquérito Policial nº 4.781, para apurar supostos crimes relacionados a notícias falsas e fraudulentas (Fake News).
A canetada, digo, Portaria do Toffoli, exponho agora:
Citação:“O PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no uso de suas atribuições, que lhe confere o Regimento Interno,
CONSIDERANDO que velar pela intangibilidade das prerrogativas do Supremo Tribunal Federal e dos seus membros é atribuição regimental do Presidente da Corte (RISTF, art. 13, I);
CONSIDERANDO a existência de notícias fraudulentas (Fake News), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus calumniandi, diffamandi e injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares,
RESOLVE, nos termos do art. 43 e seguintes do Regimento Interno, instaurar inquérito para apuração dos fatos e infrações correspondentes, em toda a sua dimensão,
DESIGNO para a condução do feito o eminente Ministro Alexandre de Moraes, que poderá requerer à Presidência a estrutura material e de pessoal necessária para a respectiva condução.”
Dessa portaria, guardem duas informações: o artigo que o Toffoli se baseia, art. 43 do RISTF (Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal) e a designação direta de condução do feito ao Ministro Alexandre de Moraes.
Aproveitando o ensejo, paralelo a esse inquérito, foi instaurado outro, intitulado de Inquérito dos Atos Antidemocráticos, de nº 4.828, para apurar “fatos em tese delituosos envolvendo a organização de atos contra a democracia”. Toffoli instaurou, mas a pedido sabem de quem? Do senhor Augusto Aras, Procurador Geral da República, cargo mais importante do Ministério Público brasileiro.
Novamente, Toffoli designou diretamente o Ministro Alexandre de Moraes como condutor do feito.
QUEM FOI ACUSADO? QUAL A RELAÇÃO COM O LIVRO O PROCESSO, DE KAFKA?
Por várias vezes no livro O Inquérito do Fim do Mundo – O apagar das luzes do Direito Brasileiro, os diversos autores nos diversos capítulos citam a obra de Kafka em paralelo ao inquérito das Fake News. E com razão.
Todos os acontecimentos do inquérito instaurado por Toffoli são, de fato, verdadeiras obras kafkianas.
Isso se dá por duas razões: todos os acusados do processo NÃO SABEM, ATÉ HOJE, o motivo de tal acusação. Exatamente. O que Kafka escreveu lá no início dos anos 1.900 está acontecendo em pleno 2.020 no Brasil.
A coisa piora: os réus não tiveram acesso aos autos do processo. É ou não é o mesmo drama de Josef K.?
Aliás, depois de muita luta, alguns dos acusados tiveram acesso apenas ao apenso nº 70 do processo. Isso quer dizer, obviamente, que existem pelo menos outros 69, ao passo que as informações é de que o processo já ultrapassou as 6.000 páginas.
As vítimas desse inquérito ilegal desde sua concepção, instaurado pela ditadura judiciária brasileira, são jornalistas, parlamentares e pessoas comuns, como o caso do comediante de stand up comedy, Rey Biannchi, pego em sua casa às 6h da manhã pela Polícia Federal que cumpria mandados ilegais de busca e apreensão, recém operado de um processo cirúrgico.
Alguns outros envolvidos: jornalistas Bernardo Kuster, Allan dos Santos (terça livre), Oswaldo Eustáquio (esse foi preso, inclusive, meu Deus), Carla Zambelli, Sara Winter (também presa), Luciano Hang (Havan), entre outros jornalistas, blogueiros e parlamentares.
A OAB Federal foi acionada várias vezes pelos advogados das partes, mas nada foi feito, até pelo fato do então presidente do órgão, senhor Felipe Santa Cruz, ser declaradamente contra o conservadorismo e a favor da esquerda. Mas, no pagamento da anuidade, que gira em torno de R$ 1.000,00 para poderem exercer a profissão, cobram que é uma beleza.
POR FIM, QUAIS AS IRREGULARIDADES DO INQUÉRITO ABSURDO E DITADORIAL Nº 4.781?
São várias e a Doutora Ludmila Lins Grilo, Juíza do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, conseguiu explaná-las muito bem no livro O Inquérito do Fim do Mundo. Como são muitas (mas muitas mesmo), vou deixar aqui as mais absurdas, quais sejam:
a) O STF passou por cima do arquivamento da PGR e seguiu a investigação como se nada tivesse acontecido;
b) Violação do artigo 5 da Constituição Federal, que garante a liberdade dos indivíduos;
c) Violação ao sistema acusatório. Quem se diz vítima (STF) é também quem vai julgar;
d) Violação à competência de quem instaura e conduz um inquérito criminal. Isso é papel da polícia, através do Delegado de Polícia, e não do STF;
e) Violação dos advogados terem acesso aos autos. E olha que interessante, quem garante esse direito aos advogados é justamente o STF, através da Súmula Vinculante nº 14;
f) O Inquérito viola o próprio Regimento Interno do STF em dois momentos. O primeiro: o artigo 43 do RISTF (Regimento Interno do STF) garante uma exceção à instauração de um inquérito: o STF pode sim instaurar, mas só para apurar a prática de ato ilícito praticado no interior das dependências do próprio STF. Ora, então a internet é dependência física da Suprema Corte?
g) O segundo momento é a designação direta realizada pelo Dias Toffoli, coisa que o Regimento Interna VEDA. O artigo66 do RISTF é bem claro ao grafar que “a distribuição será feita por sorteio ou prevenção, mediante sistema informatizado, acionado automaticamente, em cada classe de processo”. Isso não aconteceu;
h) Violação ao princípio da legalidade pública, artigo 36 da CF, que destaca que o servidor público só atuará nos limites estabelecidos pela lei;
i) Violação dos princípios de ampla defesa e contraditório. Os acusados não tiveram acesso aos autos, nem mesmo sabem o motivo de serem réus nessa balbúrdia. Alguns foram presos sem direito de defesa;
j) Violação ao devido processo legal ao investigar pessoas sem prerrogativa de foro no STF. A Carta Magna, também conhecida como Constituição Federativa, promulgada em 1.988, estabelece, em seu artigo 102, as autoridades que têm foro especial de julgamento no STF, que são: Presidente da República, Vice Presidente da República, membros do Congresso, PGR. Blogueiros e comediantes não estão na lista. Segundo a Doutora Ludmila, “qualquer pessoa em território nacional passou a ser um investigado em potencial”.
Diante disso tudo, fico com as palavras de um dos autores do livro citado acima, que “é preciso que o verdadeiro Direito ponha fim a inquéritos absurdos como este, para que este não ponha fim ao primeiro”.
É isso, camaradas.
Obrigado a atenção por lerem este imenso tópico.
Mateus 21:22