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Discussão - A morte de Ivan Ilitch (Liev Tolstói)
#1
A Discussão do 4° livro - A morte de Ivan Ilitch 
Escrito por Liev Tolstói


Foi feita uma votação e esse livro foi eleito para ser estudado e discutido aqui no fórum Legado Realista. Link da votação AQUI!

A leitura do livro será assim:

A partir do dia 01 de agosto já vai estar liberado o debate de qualquer parte do livro. Porque ele é pequeno e dá pra ler rapidamente.

Para entender melhor como funciona as nossas discussões leiam as regras AQUI!

Link do livro em PDF AQUI e AQUI. E em formato Kindle AQUI.

Link do livro para comprar na Amazon AQUI e AQUI.

Boa Leitura a todos!
“A maior necessidade do mundo é a de homens — homens que se não comprem nem se vendam; homens que, no íntimo de seu coração, sejam verdadeiros e honestos; homens que não temam chamar o pecado pelo seu nome exato; homens cuja consciência seja tão fiel ao dever como a bússola o é ao polo; homens que permaneçam firmes pelo que é reto, ainda que caiam os céus.” Ellen White, Educação, Pág 57.
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#2
Bom, peço desculpas aos camaradas por não ter o cacife necessário para iniciar as análises acerca dessa obra clássica e aclamada (com razão) da literatura russa e mundial.
Todavia, li esse livro há pouco tempo e, por isso, aproveito enquanto as coisas estão frescas na cabeça.

De antemão, parabéns ao camarada @Libertador por dar prosseguimento nesse projeto excelente e, também, ao camarada @Dark_Painter01 pela indicação dessa obra, a 4ª a ser debatida aqui neste reduto.

A Morte de Ivan Ilitch, de Lev Tolstói, foi meu primeiro contato com a literatura russa. E para um primeiro contato, ler logo uma das melhores novelas russas não poderia ter sido melhor.
Acabei descobrindo o porquê de gostar dos escritos de Tolstói, Dostoiévski, Kafka, Bukowski, entre alguns outros. É a maneira como conseguem falar de sentimentos, posturas e ações totalmente repulsivas dos seres humanos de maneira tão clara, simples, direta e extremamente reflexiva.

Chinasky, Ilitch, Samsa, e por aí vai. Todos têm pontos em comum: desprezo, falta de humanidade, solidão.

A situação de Ilitch foi interessante. Se olhássemos de fora, sem conhecer sua história, iríamos de imediato achar que Ivan levava a vida perfeita, que todos nós queríamos.
Família, filhos, um bom emprego (juiz).

Precisou a morte bater em sua porta para poder perceber que foi enganado por si mesmo acerca da vida que levava. Vida de mediocridade, de reclamações, de fazer coisas sem vontade alguma, mas que importavam aos que o cercavam.

Que tristeza só perceber que a vida não fez sentido no momento da morte.

Um casamento de bosta, totalmente sem vontade, sem apreço. Enquanto o personagem foco da obra gritava de dor, a esposa procurava o cômodo mais distante da residência, para o som não a incomodar.
Aqui, digo: tem muito casamento igual a esse por aí.

Outra reflexão extremamente perturbadora que Tolstói traz nessa novela é o desprezo de “amigos” e familiares, mesmo Ilitch sendo um homem respeitado por sua carreira profissional.
Seu amigo mais íntimo, Ivanovich, está pouco se lixando pelo ocorrido. Repito: seu amigo mais íntimo. É um querendo puxar o tapete do outro. Alguma coincidência com o nosso ambiente de trabalho?

Ora, a primeira coisa que pensam quando tomam ciência do falecimento do Ivan é: “será que eu serei promovido?”
Essa é a verdadeira vida real.
Aqui, digo novamente: tem muito Ilitch e “amigos de Iilitch” por aí.

Detalhe importante: Tolstói havia parado de escrever. Se não me engano, essa obra, publicada em 86, foi a primeira de sua volta ao mundo da escrita.
(re)Estreia em altíssimo nível.
Mateus 21:22
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#3
(02-08-2020, 01:31 PM)hjr_10 Escreveu: A Morte de Ivan Ilitch, de Lev Tolstói, foi meu primeiro contato com a literatura russa. E para um primeiro contato, ler logo uma das melhores novelas russas não poderia ter sido melhor.

Esse é o primeiro livro russo que estou lendo. E tirando os nomes complicados e fáceis de confundir, a obra é genial. Li que é considerado como uma das novelas mais perfeitas já escritas da história. Achei o título exagerado de mais, mas justamente por isso votei no livro, para ver se era bom assim mesmo.

Achei impressionante como ele consegue pegar detalhes da vida que está visível a todos mas que não prestamos atenção ao ponto de conseguir mensurar e ordenar como ele faz. É uma habilidade de observar singular somado a habilidade incrível de conseguir transmitir isso na escrita. É só para as mentes brilhantes.

(02-08-2020, 01:31 PM)hjr_10 Escreveu: Chinasky, Ilitch, Samsa, e por aí vai. Todos têm pontos em comum: desprezo, falta de humanidade, solidão.

A agonia de morte dele e o desprezo da família também me lembrou muito o livro Metamorfose do escritor Franz Kafka. 

É impressionante como muitas vezes coisas que são importantes pra gente são vistas pelos outros como completamente ridículas. Como disse Salomão:

Salomão Escreveu:O coração conhece a sua própria amargura, e o estranho não participará no íntimo da sua alegria. Provérbios 14:10

Não adianta, no final das contas, só você sabe o que realmente passou e como isso te afeta. Todo mundo tratava sua agonia e desespero de morrer como algo dramático e exagerado. Afinal, ele só ia morrer não é mesmo? As vidas dos outros iriam continuar sem ele, então, que morresse logo e parasse de drama para não atrapalhar a vida dos outros, e esse comportamento da sua própria família magoava imensamente esse patriarca.

Vou tentar comentar aqui algo que não se relaciona com o ponto central do livro que é o desespero por conta da morte, mas os aspectos secundários.

Outro ponto da obra que achei interessante é a mulher dele Praskovya Fiodorovna Mikhel, uma mulher bem bacana e bonita, mas depois de um ano de casados ela começou a transformar a vida dele em um inferno. Incrível como tem que saber escolher, logo no início dizia que ela tinha o comportamento mais espirituoso de seu circulo. Isso já dá indícios do que estava por vir. 

E ele casou porque poderia ser bom também para a sua imagem e ela era a escolha que seu circulo social aprovava.

Como segue o trecho:

Spoiler Revelar
Liev Tostói Escreveu:Praskovya Fiodorovna vinha de boa família, não era nada feia e tinha algumas posses. Ivan Ilitch certamente aspirava a um casamento melhor, mas mesmo esse não era mau arranjo. Ele tinha um bom salário, ao qual a renda dela, esperava, viria somar-se. Ela era bem relacionada e uma jovem doce, bonita, comme il faut. Dizer que Ivan Ilitch estava casando apaixonado e porque sua noiva partilhava de suas opiniões seria tão falso quanto dizer que ele só se casava porque seu círculo social aprovava a escolha. Ivan Ilitch considerava sobretudo dois aspectos: o casamento lhe traria satisfação pessoal ao mesmo tempo em que estaria fazendo o que era
considerado correto pelas classes mais altas.

E aqui o começo das brigas sem motivo nenhum:

Spoiler Revelar
Liev Tostói Escreveu:Sua esposa, sem razão alguma, ou pelo menos assim lhe parecia, por puro capricho, como ele dizia, começou a perturbar a agradável e decente ordem de sua vida. Sem que houvesse qualquer tipo de justificativa, Praskovya começou a mostrar-se ciumenta, a exigir que ele dedicasse toda sua atenção a ela, punha defeitos em tudo e fazia as mais desagradáveis e constrangedoras cenas.

Liev Tostói Escreveu:Mas houve um dia em que sua mulher o atacou tão violentamente e daí em diante passou a atacá-lo continuamente com palavras tão vulgares a cada vez que ele recusava-se a atender suas exigências, claramente determinada a não parar até que ele se rendesse ou, em outras palavras, concordasse em ficar em casa e entediar-se tanto quanto ela, que Ivan Ilitch viu-se derrotado. Só então deu-se conta de que o casamento – pelo menos com Praskovy a – estava longe de ser só fonte de prazeres e alegrias, e, ao contrário, freqüentemente infringia as leis do conforto e adequação e que, portanto, era necessário proteger-se. E Ivan Ilitch pôs-se a procurar os meios de proteção. Sua posição era o aspecto de sua vida que verdadeiramente a impressionara e ele, então, passou a usar sua posição e as obrigações dela decorrentes em sua luta por independência.

Liev Tostói Escreveu:tudo isso contribuiu para tornar mais urgente para ele a construção de um muro que o isolasse da vida familiar. À medida que sua esposa ia ficando mais irritada e exigente, Ivan Ilitch ia transferindo o centro de gravidade de sua existência da família para o trabalho. Tornava-se cada vez mais absorvido por suas tarefas oficiais, com uma ambição que jamais tivera.

E ele vai descrevendo como as discussões vão ficando cada vez maiores e mais frequentes e que poucas vezes tinham pequenos momentos de paz. Mas eram breves e tudo voltava com força total.

Ele escreveu tudo isso em 1880, mas parece que está escrevendo a vida dos meus amigos de infância que se casaram a alguns anos e a mulher virou uma criatura repugnante e controladora infernizando a cabeça deles de todos os jeitos possíveis, e eles tentam se refugiar no trabalho e quando terminar o serviço tentam ficar no barzinho em vez de voltar para casa como uma tentativa de respirar um pouco de liberdade e paz que não conseguem encontrar em suas próprias casas.

Isso quebra aquela ilusão que o pessoal (eu incluso), de vez em quando tem, de achar que antigamente as coisas eram melhores, dá pra ver que era tudo a mesma palhaçada de sempre, mulher ingrata e reclamona, homens tentando se refugiar no trabalho, amigos interesseiros, você só é o que vale para os outros e quando vai morrer todos não veem a hora de pegar o seu lugar e as suas coisas. E o mesmo medo de morrer e insegurança sobre o que virá depois de quem está indo para a terra do silêncio.

Menos Marco Aurélio da última análise aqui do clube do livro, que não tinha medo de morrer e até apreciava a expectativa de saber o que viria depois. Mas, o cidadão comum, no geral, tem grande pavor do desconhecido e da morte.

Dá pra ver que esse medo e esses maus atributos femininos e masculinos estão sendo potencializados com as politicas e estilo de vida atuais, mas sempre existiram em grau elevado e os bons escritores conseguiam transmitir isso com habilidade. Como é o caso do Liev Tostói

Outro ponto é o fato da mulher começar a se colocar com o tempo como vítima e a coloca-lo como um opressor que a maltratava quando ele começou de certa forma a realmente ficar irritado facilmente e agir de forma severa, coisa que ela mesmo causou, e aí ela ficava desejando a morte dele enquanto convivia junto. Uma situação comum e assustadora. Segue em spoiler abaixo.

Spoiler Revelar
Liev Tostói Escreveu:O casal brigava cada vez com mais freqüência e há muito que toda a calma e o prazer da vida haviam caído por terra e era com dificuldade que conseguiam manter as aparências como antes. Havia repetidas discussões, até que, no mar da discórdia restaram muito poucas ilhas nas quais marido e mulher conseguiam se encontrar sem que houvesse uma explosão. E Praskovy a dizia, agora não sem motivo, que seu marido tinha um temperamento difícil. Com seu característico exagero, sustentava que ele sempre havia sido assim e fora preciso muita paciência de sua parte para suportar a situação durante esses vinte anos.

Liev Tostói Escreveu:No início ela respondia no mesmo tom e dizia-lhe coisas desagradáveis, mas depois que uma ou duas vezes, bem no início do jantar, ele entrou em tal delírio de repente, ela achou que se devia a alguma reação física que acontecia ao comer e resolveu conter-se e não reagir. Apressou-se em terminar a refeição.
Praskovy a orgulhou-se muito por esse exercício de autocontrole. Tendo chegado à conclusão de que o marido possuía um temperamento assustador e tornara sua vida miserável, começou a ter pena de si mesma e, quanto mais pena tinha de si mesma, mais detestava o marido. Começou a desejar que morresse, ainda que não o quisesse morto porque com ele iria-se também o salário dele. E isso provocava-lhe ainda maior irritação contra ele. Julgava-se terrivelmente infeliz justamente porque nem mesmo sua morte poderia trazer-lhe alívio e, embora disfarçasse sua irritação, a amargura sufocada só fazia aumentar sua raiva.

O bacana de ver no livro é que o Ivan era o cidadão exemplar, um cara que se dedicava no trabalho, que tentava ser o mais profissional possível, alcançando o auge da carreira, vivendo com a alta sociedade e apreciado por seus pares e coisas do tipo. Vendo os casos no tribunal de forma imparcial e fria como apenas casos e não com vidas por trás. E quando foi tratado da mesma forma pelo seu médico ele ficou se sentindo injustiçado e que o tratamento era desumano. Tem vezes que a pessoa só vai sentir o dano que causa aos outros quando é colocado na situação oposta, se não for, não consegue entender. E tem casos que mesmo assim não é capaz de entender. É uma falta de empatia total.

Segue o resumo do trecho para quem tiver curiosidade:

Spoiler Revelar
Liev Tostói Escreveu:Seguiu-se tudo dentro do esperado, como sempre acontece. Houve o habitual período na sala de espera, a atitude importante assumida pelo médico – ele conhecia bem aquele ar de dignidade profissional; ele próprio o adotava no Tribunal –, os exames e as perguntas que exigiam respostas que levavam a conclusões óbvias e obviamente desnecessárias e o olhar grave, que queria dizer: “Deixe tudo conosco e nós resolveremos as coisas, nós sabemos tudo do assunto e podemos resolvê-lo para você, como faríamos com qualquer outra pessoa”. O procedimento todo era igual ao dos Tribunais. Os ares que ele adotava no Tribunal em benefício do prisioneiro, o médico adotava agora em relação a ele.

Liev Tostói Escreveu:O médico disse-lhe que este e aquele sintoma indicavam que isto ou aquilo iam mal com o paciente por dentro, mas se esse diagnóstico não fosse confirmado pelos exames clínicos disto ou daquilo, então chegaremos a esta ou aquela conclusão. Se chegarmos a esta ou aquela conclusão, então... e assim por diante. Para Ivan Ilitch só importava saber uma coisa: o seu caso era sério ou não era? Mas o médico ignorou essa pergunta tão fora de propósito. Do ponto de vista do médico tratava-se de um detalhe que não merecia ser levado em consideração: o problema realmente era avaliar todas as probabilidades e decidir entre um rim flutuante ou apendicite. Não era uma questão de Ivan Ilitch viver ou morrer, mas de decidir se era rim ou apêndice. E nesse caso o médico inclinava-se mais em favor do apêndice, com a ressalva de que a análise da urina poderia indicar uma pista totalmente nova e então toda a questão teria de ser reavaliada. Tudo isso era, em menor proporção, exatamente o que Ivan Ilitch fizera de modo tão brilhante mil vezes ao lidar com as pessoas no Tribunal. O médico concluiu tudo brilhantemente, olhando triunfante por sobre os óculos para o acusado. A partir da fala do médico, Ivan Ilitch concluiu que as coisas não estavam bem, mas que para o médico e provavelmente para todas as outras pessoas isso não faria a menor diferença, enquanto que para ele era simplesmente terrível. E essa conclusão foi dolorosa, despertando-lhe um grande sentimento de autopiedade, e de amargura em relação ao médico que não se importava nem um pouco com uma questão tão importante.

Mas não disse nada, levantou, colocou o dinheiro da consulta em cima da mesa e falou com um suspiro:
– Nós, os doentes, sem dúvida fazemos muitas vezes perguntas inadequadas. Mas, diga-me, de modo geral, assim por cima, esses sintomas lhe parecem graves ou não?
O médico olhou-o severamente por cima do monóculo, como se dissesse: “Pedimos ao réu que se atenha a responder o que lhe foi perguntado ou serei obrigado a fazer com que o retirem da sala”.
– Eu já lhe disse tudo que julgava necessário dizer – respondeu o médico –, os exames devem dar mais detalhes. – E indicou-lhe a porta.
“A maior necessidade do mundo é a de homens — homens que se não comprem nem se vendam; homens que, no íntimo de seu coração, sejam verdadeiros e honestos; homens que não temam chamar o pecado pelo seu nome exato; homens cuja consciência seja tão fiel ao dever como a bússola o é ao polo; homens que permaneçam firmes pelo que é reto, ainda que caiam os céus.” Ellen White, Educação, Pág 57.
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#4
Li o livro novamente e vou aproveitar que o conteúdo está fresco na cabeça e tecer mais alguns comentários que achei interessantes. Dessa vez, sobre o enredo principal mesmo.

Já no primeiro capitulo a gente vê algo muito interessante, já é falado direto do velório. O livro começa pelo fim, o que também é simbólico. E o amigo mais próximo que ele tinha foi para lá assistir, mas com pressa de ir embora para não perder o jogo de cartas que teria depois. Fingia demonstrar um sentimento de tristeza até exagerado na hora enquanto pensava se conseguiria pegar a vaga do Ivan ou se outro pegaria e o sentimento de alívio de que a morte chegou para Ivan e não para ele. Enquanto a mulher do Ivan o chama no privado mas pra pedir se tinha como conseguir que ela pegasse uma pensão maior. Já era boa, mas ela queria tentar pegar tudo que pudesse e não deixar nada passar, enquanto ainda se faz de vítima e se coloca como guerreira por ter suportado os gritos do marido escondida no canto mais afastado da casa enquanto ele morria em agonia sozinho. 

Esse é o primeiro capítulo que mostra a visão dos outros sobre o Ivan. E depois foca totalmente no Ivan e em sua história desde o início. Aqui eu vi uma crítica boa contra o funcionalismo público. Tinha um bom emprego, era respeitado, chegou ao topo da carreira e ganhava um bom salário. No início ele lutava para crescer dentro do funcionalismo, mas aí depois de algum tempo, ele vai se acomodando, até se acomodar de vez e começa a rejeitar promoções para não ter que sair da sua cidade e do seu conforto.

E critica muito o fato de ficar se fazendo aquilo que os outros sempre esperam da gente enquanto deixam de fazer as coisas que realmente tem vontade de fazer. E só no fim da vida que param pra pensar se valeu a pena ou não.

A própria morte dele foi por um motivo banal, o que torna a mensagem mais interessante, porque você para e pensa que é algo que pode acontecer com você também a qualquer momento.

Tem muitos pontos interessantes, mas vou me ater só a mais um ponto que vi para depois deixar para debater sobre o que os outros forem comentando.

O livro se torna genial quando começa a trabalhar o drama da morte, a negação, a aceitação, o remorso, o desespero, e começa a repassar toda a sua vida. Ele vai percebendo como desperdiçou a sua vida e tentando descobrir como ele poderia ter vivido diferente e o inconformismo de ver os outros não dando a mínima porque suas vidas continuariam e até exclama em pensamento para si mesmo: "Vocês vão morrer também, seus tolos! Não conseguem ver?".

É interessante como a morte é um assunto desconfortável para a maioria das pessoas e evitam isso a todo custo só parando para refletir nela no final da vida. No livro seus familiares, amigos e até o médico mentiam para ele sobre isso. Todos negavam a morte e diziam que ia ficar tudo bem mesmo sem acreditarem nisso e isso o irritava imensamente. Era o mesmo comportamento que fazem quando uma pessoa peida e está fedendo. Aquela mentira e disfarce na frente da pessoa enquanto pelas costas e longe dela falam a verdade nua e crua.

Liev Tolstói Escreveu:O que mais atormentava Ivan Ilitch era o fingimento, a mentira, que por alguma razão eles todos mantinham, de que ele estava apenas doente e não morrendo e que bastava que ficasse quieto e seguisse as ordens médicas que ocorreria uma grande mudança para melhor. Mas ele sabia que nada do que eles fizessem teria outro resultado que não mais agonia, mais sofrimento e a morte. E a farsa desgostava-o profundamente: atormentava-o o fato de que se recusassem a admitir o que eles e ele próprio bem sabiam, mas insistiam em ignorar e forçavam-no a participar da mentira. Esse fingimento que se estabeleceu em torno dele até a véspera de sua morte, essa mentira que só fazia colocar no mesmo nível o solene ato de sua morte, suas visitas, suas cortinas, seu caviar para o jantar... eram-lhe terrivelmente dolorosos.

E muitas vezes, quando estavam encenando sua farsa para o bem dele, achavam, ele por pouco não se punha a gritar: “Parem de mentir! Vocês sabem, eu sei e vocês sabem que eu sei que estou morrendo. Portanto, pelo menos parem de mentir sobre o fato!”. Mas nunca chegou a ter coragem para isso. O horrível, terrível ato de sua morte, ele via, estava sendo reduzido por aqueles que o rodeavam ao nível de um acidente fortuito, desagradável e um pouco indecente (mais ou menos como se comportam com alguém que entra em uma sala de visitas cheirando mal), e agiam assim em nome do mesmo decoro ao qual ele próprio subjugara-se a vida inteira. Notava que ninguém se compadecia dele porque ninguém estava com disposição nem mesmo de pensar em sua situação.

Foi muito conveniente ler esse livro depois do Meditações de Marco Aurelio porque o imperador via a morte de forma completamente oposta e estava muito bem consigo mesmo com o fato de saber que a sua condição final seria a morte e o aniquilamento total de seus pensamentos e que tudo que fez passaria e ninguém teria memória. E agora a gente lê sobre o desespero completo de uma pessoa comum que não está preparada para deixar a vida. Isso é inevitável, mas da forma como vivemos hoje de que forma vamos encerrar a nossa existência? Em desespero total ou em completa paz?
“A maior necessidade do mundo é a de homens — homens que se não comprem nem se vendam; homens que, no íntimo de seu coração, sejam verdadeiros e honestos; homens que não temam chamar o pecado pelo seu nome exato; homens cuja consciência seja tão fiel ao dever como a bússola o é ao polo; homens que permaneçam firmes pelo que é reto, ainda que caiam os céus.” Ellen White, Educação, Pág 57.
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#5
Aproveitando o fio da meada, em relação a livros russos, eu já li quase todos de Dostoiévski, e em quase todos tem alguma "redpill' básica sobre relacionamentos.

Humilhados e Ofendidos, por exemplo, é um bom exemplo disso, e o fim das história conseque mostrar não só as consequencias de uma má escolha em uma relacionamento para a mulher, mas para as crianças também.

Em Os irmãos Karamásov, toda a tragédia das história se inicia por causa... de uma mulher, que gostava de brincar com o coração de dois personagens ao mesmo tempo.

Em gente pobre, um romance epístolar, terminar de uma forma bem desaminadora para o protagonista, mas uma forma bem realista, Noites Brancas eu não lia ainda, mas infelizmente peguei o spoiler e tem um fim parecido

Em Os Demônios, um personagem lá era extremamente frio e desapegado, porem tinha um porte forte e intenso perante as pessoas, pegava solteiras e casadas, isso naquela época.

Rapaz, isso que eu estou falando apenas de Dostoiévski, a literatura russa é muito rica, nessa questão de esmiuçar de dentro para fora os relacionamentos, todos eles, mas principalmente, de um homem com uma mulher. Mas vou parar por aqui, porque esse não é o foco da thread.
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#6
Acho que tirei algo parecido com o que o libertador disse a cima. O que mais me chamou atenção do primeiro capitulo é que por algumas vezes, Ivanovich se pega pensando na morte e aquilo o assusta, mas logo sua mente o reconforta o enganando e fazendo acreditar que aquilo nunca acontecerá com ele.

Quantas vezes já não pensamos assim? Ainda bem que X coisa não foi comigo ou isso nunca aconteceria comigo. Esse é um pensamento perigoso, mesmo para os que já estão de certo modo "vacinados" contra o mundo moderno ou com idéias parecidas. 

[...] "assim, aquele que julga estar firme, cuide-se para que não caia!" [...]

Mesmo com a palavra morte estar presente no titulo do livro, esse livro não fala sobre a morte, mas sim sobre a vida. Mostra-nos através de Ivan se a vida que levamos realmente vai valer a pena e se quando chegarmos ao final dela, teremos orgulho ou arrependimento. Mas, porque devemos pensar nisso? Eu tenho ainda muitos anos de vida, não é? Quando me fiz essa pergunta senti um aperto no coração ao mesmo tempo. Me vi em uma cama, assim como Ivan e perguntei se eu morresse hoje, estaria em paz com minha vida. A resposta me deixou muito receoso e vocês já devem ter entendido o porque. 

Outra duvida que surge é porque ele não fez um livro então focando totalmente na vida de Ivan e não citando sua morte, apenas para que refletíssemos? Acho que a resposta é um pouco complexa, mas quando aprendemos sobre a morte, aprendemos também sobre a vida, e o inverso também é verdade. Não a toa grandes filósofos como Marco Aurélio, Sêneca tinham uma visão diferente da morte, em questão a visão do homem medíocre da sociedade atual. Para o homem medíocre atual, pensar na morte é quase um tabu. Mas para os grandes, pensar na morte funcionava como um incentivo, incentivo esse que nos lembra que nosso tempo na terra é limitado e que devemos usa-lo da melhor maneira, melhor maneira essa que cada um deve decidir por si mesmo.

Não sabemos o que acontece depois da morte (apesar de termos crenças), a unica coisa que está no nosso alcance é o agora. Então, o que nos resta é dar nosso melhor enquanto estivermos aqui, não estou falando para ser um "tarado do desenvolvimento pessoal", mas a usar nosso tempo da melhor maneira, sempre refletindo se aquela é realmente o melhor jeito de usa-lo, talvez assim, um dia cheguemos no leito de nossa morte e possamos ter orgulho ao olhar pra trás e ver o que realizamos.

[...] "Assim como um dia bem aproveitado proporciona um bom sono, uma vida bem vivida proporciona uma boa morte"[...].
Por mínimo que seja o que um homem possua, sempre descobre que pode contentar-se ainda com menos."
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#7
(04-08-2020, 10:32 AM)Libertador Escreveu: Aqui eu vi uma crítica boa contra o funcionalismo público. Tinha um bom emprego, era respeitado, chegou ao topo da carreira e ganhava um bom salário. No início ele lutava para crescer dentro do funcionalismo, mas aí depois de algum tempo, ele vai se acomodando, até se acomodar de vez e começa a rejeitar promoções para não ter que sair da sua cidade e do seu conforto.

E critica muito o fato de ficar se fazendo aquilo que os outros sempre esperam da gente enquanto deixam de fazer as coisas que realmente tem vontade de fazer. E só no fim da vida que param pra pensar se valeu a pena ou não.

Um outro trecho que esqueci de mencionar e que critica bem o funcionalismo público foi esse aqui:

Citação:Filho de um oficial cuja carreira em Petersburgo em vários ministérios e departamentos era daquelas que conduzem as pessoas a postos dos quais, em razão de seu longo tempo de serviço e da posição alcançada, não podem ser demitidas – embora seja óbvio que não possuem o menor talento para qualquer tarefa útil –, pessoas para as quais cargos são especialmente criados, os quais, embora fictícios, pagam salários que nada têm de fictícios e dos quais eles continuam vivendo o resto da vida. Era o caso do conselheiro particular Ily a Yefimovich Golovin, membro totalmente supérfluo de uma das tantas instituições também supérfluas.

Achei a descrição excelente. Parece que está descrevendo o Brasil de hoje cheio de parasitas sugando os cofres públicos e que não tem a mínima capacidade para justificar o alto salário que recebem.

(04-08-2020, 04:11 PM)Dark_Painter01 Escreveu: Não sabemos o que acontece depois da morte (apesar de termos crenças), a unica coisa que está no nosso alcance é o agora. Então, o que nos resta é dar nosso melhor enquanto estivermos aqui, não estou falando para ser um "tarado do desenvolvimento pessoal", mas a usar nosso tempo da melhor maneira, sempre refletindo se aquela é realmente o melhor jeito de usa-lo, talvez assim, um dia cheguemos no leito de nossa morte e possamos ter orgulho ao olhar pra trás e ver o que realizamos.

[...] "Assim como um dia bem aproveitado proporciona um bom sono, uma vida bem vivida proporciona uma boa morte"[...].

Até porque isso é outra ilusão. A ilusão do desenvolvimento pessoal. Não importa o quanto tenha se desenvolvido como homem, no final da vida, não vai levar nada. Nem o dinheiro que conquistou, nem o corpo que construiu na academia, nem as honras da carreira, nem a estima dos amigos e familiares. Tudo o que construímos se esvai com a morte. 

O próprio Ivan Illitch cuidou do desenvolvimento pessoal e alcançou uma carreira de respeito, era prestigiado na alta sociedade da cidade e etc.

Então, porque se desenvolver se tudo se esvai? Para ter uma vida mais confortável durante o processo. 

Melhor ter sabedoria sobre o que se passa ao nosso redor, ter dinheiro, ter saúde e um corpo forte, para vivermos melhor e com qualidade de vida, mesmo que tudo isso seja temporário é melhor do que viver miseravelmente, escravo dos vícios, sem um trabalho fixo, sem saúde, sem casa para morar, errante e incerto pela vida.

Mas, não tem porque ficar bitolado em desenvolvimento pessoal como se fosse a única razão de se viver. Se não puder aproveitar o processo, tendo bons hobbies, fazendo coisas que gosta e de fato vivendo a vida, vai acabar passando toda a existência sem aproveitar a viagem.
“A maior necessidade do mundo é a de homens — homens que se não comprem nem se vendam; homens que, no íntimo de seu coração, sejam verdadeiros e honestos; homens que não temam chamar o pecado pelo seu nome exato; homens cuja consciência seja tão fiel ao dever como a bússola o é ao polo; homens que permaneçam firmes pelo que é reto, ainda que caiam os céus.” Ellen White, Educação, Pág 57.
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#8
(04-08-2020, 07:17 PM)Libertador Escreveu: Até porque isso é outra ilusão. A ilusão do desenvolvimento pessoal

Eu não sei se definiria bem como uma ilusão o desenvolvimento pessoal, no contexto mais amplo, não só o que envolve o corpo, dinheiro ou prestigio social, mas que também envolve o auto conhecimento, conhecer melhor o universo fora e dentro de nós. No final das contas talvez seja tudo vaidade, futilidade, mas não sei se definiria como uma ilusão. Mas entendo o seu ponto e ele é plausível também.
Por mínimo que seja o que um homem possua, sempre descobre que pode contentar-se ainda com menos."
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