As solitárias colinas e barrancos bravios onde vagueava Davi com seus rebanhos, eram o esconderijo de feras rapinantes. Freqüentemente o leão dos matagais ao lado do Jordão, ou o urso saindo de seu covil entre as colinas, vinham, ferozes e famintos, atacar os rebanhos. Segundo o costume de seu tempo, Davi estava armado apenas com sua funda e com o cajado de pastor; contudo, cedo deu
ele provas de sua força e coragem ao proteger o que se achava sob sua guarda. Depois de descrever estes encontros, ele disse: “E vinha
um leão e um urso, e tomava uma ovelha do rebanho; e eu saí após ele, e o feri, e livrei-a da sua boca; e, levantando-se ele contra mim,
lancei-lhe mão da barba, e o feri, e o matei”. 1 Samuel 17:34, 35. Sua experiência nestas coisas provou o coração de Davi, e desenvolveu
nele coragem, força e fé.
Mesmo antes que fosse chamado à corte de Saul, Davi se havia distinguido por ações de valor. O oficial que o levou ao conhecimento
do rei, declarou ser ele “valente e animoso, e homem de guerra, e sisudo em palavras”, e disse: “O Senhor é com ele”. 1 Samuel 16:18.
Quando Israel declarou guerra contra os filisteus, três dos filhos de Jessé tomaram parte no exército sob o comando de Saul;
Davi, porém, ficou em casa. Depois de algum tempo, entretanto, foi visitar o arraial de Saul. Por determinação de seu pai devia levar
uma mensagem e um presente a seus filhos mais velhos, e saber se ainda estavam livres de perigo e em saúde. Mas, sem que Jessé o
soubesse, o jovem pastor tinha sido incumbido de uma missão mais alta. Os exércitos de Israel estavam em perigo, e por um anjo fora
determinado a Davi salvar o seu povo.
Aproximando-se Davi do exército, ouviu o ruído de uma comoção, como se uma luta estivesse prestes a ter início. E “o arraial
saía em ordem de batalha, e a gritos chamavam à peleja”. 1 Samuel 17. Israel e os filisteus tomaram posição, exército contra exército.
Davi correu para o exército, aproximou-se e saudou seus irmãos.
Enquanto estava a conversar com eles, Golias, o campeão dos filisteus, veio à frente, e com uma linguagem insultante menosprezou
a Israel, e desafiou-os a que arranjassem um homem dentre suas fileiras que o quisesse enfrentar em um combate individual. Repetiu [476] o desafio, e, quando Davi viu que todo Israel estava cheio de medo, e soube que a afronta do filisteu lhes era atirada dia após dia, sem que despertasse um campeão para silenciar o jactancioso, seu espírito se agitou dentro dele. Inflamou-se de zelo para preservar a honra do Deus vivo, e o crédito de Seu povo.
O exército de Israel estava abatido. Sua coragem faltara. Diziam uns aos outros: “Vistes aquele homem que subiu? pois subiu
para afrontar a Israel.” Com vergonha e indignação exclamou Davi: “Quem é, pois, este incircunciso filisteu, para afrontar os exércitos
do Deus vivo?” 1 Samuel 17:25, 26.
Eliabe o irmão mais velho de Davi, quando ouviu estas palavras, bem compreendeu os sentimentos que agitavam a alma do jovem.
Mesmo como pastor, Davi tinha manifestado ousadia, coragem e força, como raramente se vêem; e a visita misteriosa de Samuel
à casa de seu pai, e sua partida silenciosa, haviam despertado na mente dos irmãos suspeitas do objetivo real de sua visita. Seu ciúme
tinha sido suscitado, vendo Davi mais honrado do que eles; e não o consideraram com o respeito e amor devidos à sua integridade
e ternura fraternal. Consideravam-no meramente como um rapaz pastor, e agora a pergunta que ele fez foi tida por Eliabe como uma censura à sua covardia por não fazer nenhuma tentativa para reduzir ao silêncio o gigante dos filisteus. O irmão mais velho exclamou com ira: “Por que desceste aqui? e a quem deixaste aquelas poucas ovelhas no deserto? bem conheço a tua presunção, e a maldade de teu coração, que desceste para ver a peleja.” A resposta de Davi foi respeitosa, mas decidida: “Que fiz eu agora? porventura não há razão para isso?”
As palavras de Davi foram referidas ao rei, que chamou o jovem diante de si. Saul ouviu com espanto as palavras do pastor,
quando ele disse: “Não desfaleça o coração de ninguém por causa dele; teu servo irá e pelejará contra este filisteu.” Saul esforçou-se
por demover a Davi de seu propósito, mas o jovem não podia ser abalado. Respondeu de maneira simples, despretensiosa, relatando
suas experiências na guarda dos rebanhos de seu pai. E disse: “O Senhor me livrou da mão do leão e da do urso; Ele me livrará da mão
deste filisteu. Então disse Saul a Davi: Vai-te embora, e o Senhor seja contigo.”
Durante quarenta dias o exército de Israel havia tremido diante do altivo desafio do gigante filisteu. O coração desfalecia dentro deles
ao olharem para suas formas sólidas, medindo de altura seis côvados e um palmo. Trazia à cabeça um capacete de bronze, e achava-se
vestido de uma cota de malha que pesava cinco mil ciclos, e tinha grevas* de bronze sobre as pernas. A cota* era feita de lâminas de
bronze que se sobrepunham umas às outras, semelhantes às escamas de um peixe, e estavam tão intimamente unidas que nenhum dardo, ou seta poderia de qualquer maneira penetrar na armadura. Às costas trazia o gigante um enorme dardo, ou lança, também de bronze. “A [477] haste da sua lança era como eixo do tecelão, e o ferro da sua lança, de seiscentos siclos de ferro; e diante dele ia o escudeiro”. 1 Samuel 17:7.
Pela manhã e à tarde Golias havia se aproximado do acampamento de Israel, dizendo com grande voz: “Para que saireis a ordenar
a batalha? Não sou eu filisteu e vós servos de Saul? Escolhei dentre vós um homem que desça a mim. Se ele puder pelejar comigo, e
me ferir, seremos vossos servos; porém, se eu o vencer, e o ferir então sereis nossos servos, e nos servireis. Disse mais o filisteu:
Hoje desafio as companhias de Israel, dizendo: Dai-me um homem, para que ambos pelejemos”. 1 Samuel 17:29, 37, 10.
Embora Sul tivesse dado a Davi permissão para aceitar o desafio de Goleias, o rei tinha pouca esperança que Davi fosse bem-sucedido
em sua ousada empresa. Foi dada ordem para vestir o jovem na própria armadura do rei. O pesado capacete de bronze foi-lhe posto na
cabeça, e a cota de malha sobre o corpo; a espada do rei estava ao seu lado. Assim aparelhado saiu ele para desempenhar sua incumbência; mas não demorou muito para que começasse a retroceder. O primeiro pensamento na mente dos espectadores ansiosos, foi que Davi se resolvera a não arriscar sua vida enfrentando um antagonista em um encontro tão desigual. Mas isto estava longe do pensamento do bravo moço. Voltando a Saul, pediu permissão para tirar a pesada armadura, dizendo: “Não posso andar com isto, pois nunca o experimentei.” Tirou a armadura do rei, e em lugar da mesma tomou apenas seu cajado, com seu alforje de pastor, e uma simples funda.
Escolhendo cinco pedras lisas do ribeiro, pô-las no surrão, e, com a
funda na mão, aproximou-se do filisteu. O gigante deu ousadamente
grandes passos para a frente, esperando encontrar o mais poderoso
dos guerreiros de Israel. Seu escudeiro ia adiante dele, e parecia
como se nada lhe pudesse resistir. Ao aproximar-se mais de Davi,
não viu senão um rapaz, que se podia dizer menino, pela sua idade.
O rosto de Davi era rubro pela saúde, e seu talhe firme, desprotegido
de armadura, mostrava-se exposto; contudo, entre seu perfil de moço
e as sólidas proporções do filisteu havia um acentuado contraste.
Golias encheu-se de surpresa e ira. “Sou eu algum cão”, exclamou
ele, “para tu vires a mim com paus?” Então derramou sobre
Davi as mais terríveis maldições por todos os deuses que conhecia.
E bradou com escárnio: “Vem a mim, e darei a tua carne às aves do
céu e às bestas do campo”. 1 Samuel 17:44.
Davi não fraqueou diante do campeão dos filisteus. Dando passos
à frente, disse ao seu antagonista: “Tu vens a mim com espada, e
com lança, e com escudo; porém eu venho a ti em nome do Senhor
dos exércitos, o Deus dos exércitos de Israel, a quem tens afrontado.
Hoje mesmo o Senhor te entregará na minha mão, e ferir-te-ei, e te
tirarei a cabeça, e os corpos do arraial dos filisteus darei hoje mesmo
às aves do céu e às bestas da terra; e toda a terra saberá que há Deus
em Israel. E saberá toda esta congregação que o Senhor salva, não
com espada, nem com lança; porque do Senhor é a guerra, e Ele vos
entregará na nossa mão”. 1 Samuel 17:39, 43-47.
Havia um tom de intrepidez em sua voz, um aspecto de triunfo e
regozijo em seu belo rosto. Tal discurso, feito com uma voz clara e
melodiosa, repercutiu no ar, e foi ouvido distintamente pelos milhares
que, arregimentados para a guerra, escutavam. A ira de Golias
subiu até ao mais alto ponto. Em sua raiva empurrou o capacete que
lhe protegia a testa, e lançou-se para a frente a fim de desforrar-se de
seu oponente. O filho de Jessé preparava-se para o seu adversário.
“E sucedeu que, levantando-se o filisteu e indo encontrar-se com
Davi, apressou-se Davi e correu ao combate, a encontrar-se com o
filisteu. E Davi meteu a mão no alforje, e tomou dali uma pedra, e
com a funda lha atirou, e feriu o filisteu na testa, e a pedra se lhe
cravou na testa, e caiu sobre o seu rosto em terra”. 1 Samuel 17:48,
49.
O espanto estendeu-se pelas fileiras dos dois exércitos. Estavam
certos de que Davi seria morto; mas, quando a pedra saiu zunindo
pelo ar, diretamente ao alvo, viram o grande guerreiro tremer, distender
as mãos, como se estivesse ferido de súbita cegueira. O gigante
vacilou, cambaleou, e, qual carvalho ferido, tombou ao chão. Davi
não esperou um momento sequer. Saltou sobre o corpo prostrado
do filisteu, e com ambas as mãos apoderou-se da pesada espada
de Golias. Um momento antes o gigante se jactara de que com ela
separaria dos ombros a cabeça do jovem, e daria seu corpo às aves
do céu. Agora foi ela erguida ao ar, então a cabeça do fanfarrão
rolou desligando-se do tronco, e um brado de exultação subiu do
acampamento de Israel.
Os filisteus foram tomados de terror, e a confusão que se seguiu
teve como resultado uma retirada precipitada. As aclamações dos
hebreus triunfantes ecoavam pelos cumes das montanhas e alcançavam
os inimigos que fugiam; e eles “seguiram os filisteus, até chegar
ao vale, e até às portas de Ecrom; e caíram os feridos dos filisteus
pelo caminho de Saaraim até Gate e até Ecrom. Então voltaram os
filhos de Israel de perseguirem os filisteus, e despojaram os seus
arraiais. E Davi tomou a cabeça do filisteu, e a trouxe a Jerusalém;
[479] porém pôs as armas dele na sua tenda”. 1 Samuel 17:48, 49, 52-54