Já postei uns trechos deste texto enquanto estava escrevendo. É uma tremenda atualização de um texto que escrevi em 2010. Ficou meio grande, porém, lá vai:
"Tendo entendido o conceito de Matrix comumente usado hoje, e sabendo que podemos aplicá-los em vários contextos, podemos observar que este cenário pode, muitas vezes, se repetir nos relacionamentos. Podemos dizer que a tal
Matrix do Amor Romântico nada tem de romântico, além de seu sentido poético. Não se trata apenas de crença, mas uma insistência em um tipo específico de ilusões. Aqui, o termo “romântico” recebe um conteúdo auto-contraditório, indicando basicamente uma unilateralidade. Para evitar confusões, é necessário esclarecer que a “Matrix do Amor Romântico” nada tem a ver com amor ou romantismo – e nem mesmo com o que conhecemos como “amor romântico” -, mas com o que podemos chamar de “pseudo-idealização”: uma teimosia emocional quase imperceptível na crença de que uma pessoa é tudo aquilo que não é. O conceito de “pseudo-idealização” pode ser definido como uma distorção da própria idealização, sendo uma contradição em si mesma, uma vez que a própria idealização é traída pelo indivíduo fragilizado, que passa a ter todos seus ideais inconscientemente transmutados numa idealização precipitada, com o objetivo de adequá-la a uma pessoa que seja o extremo oposto de sua verdadeira idealização. Tal operação é motivada por uma necessidade extrema de auto-engano, sendo seu gatilho ativado por situações onde a pessoa se encontra presa a um relacionamento auto-destrutivo e que não consegue de sair devido a uma covardia emocional que a faz distorcer toda realidade sobre a outra pessoa por ser incapaz de aceitar o erro, uma vez que tal aceitação exige uma atitude.
É verdade que, desde o nascimento, somos condicionados a viver dentro de diversas Matrix, tomando-as como verdades únicas e absolutas e, conseqüentemente, acreditando em todas suas ilusões. Essa Matrix do Amor Romântico muitas vezes pode ser causa principal do sofrimento emocional de uma pessoa, levando-a a crer em ilusões para depois arrancá-la subitamente destas mesmas ilusões, atirando-lhe no desespero, ao fundo do poço e, em casos mais extremos, ao suicídio.
Porém, como com qualquer conceito, toda cautela é necessária para não ceder à tentação das generalizações precipatadas. É extremamente importante deixar claro que tal condicionamento não significa, literalmente, que o meio seja o verdadeiro responsável: podemos dizer que o sentido do que chamamos “condicionamento” é mais figurado, uma vez que se limita ao fornecimento dos objetos necessários para a construção de sua Matrix – cabe ao indivíduo a decisão final de aceitar ou recusar os objetos que lhe são oferecidos, assim como todo o planejamento e construção da obra, sendo, portanto, o único responsável pelo resultado de sua própria Matrix.
Nos relacionamentos, esta Matrix desempenha seu papel no reforço das crenças disfucionais, muitas vezes já presentes no indivíduo, relativas a amor romântico, relacionamentos tranqüilos e pureza do ser amado. Trabalhando na distorção desses conceitos, tais crenças disfuncionais acabam por gerar no indivíduo um conflito entre o intelectual e o emocional: por mais berrantes que possam ser as evidências, o indivíduo termina por ignorá-las, priorizando o emocional em detrimento do intelectual, de acordo com as exigências do momento em que se encontra. Podemos dizer que o tal operação se dá em 3 fases:
- Aceitação intelectual: O intelecto do indivíduo ainda planamente é capaz de trabalhar na interpretação de suas percepções. É nesta fase que se dá o maior conflito emocional-intelectual: tendo suas capacidades perceptivas inalteradas, o indivíduo aceita as evidências intelectuais e decide por continuar dentro de tal situação, criando inconscientemente uma desculpa para poder suportar tal conflito: é a famosa segunda chance – por exemplo: “Não acredito isso aconteceu. Vou dar uma segunda chance, contanto que não se repita. Se isso acontecer novamente, acabou para sempre!”
- Relativização intelectual: Não sendo mais capaz de se manter no conflito da primeira fase, o intelecto do indivíduo passa a agir na distorção de suas percepções, a fim de relativizar atitudes que já não poderiam ser trabalhadas na primeira fase. É aqui que começam as desculpas: “Ela não está me maltratando, é que ela é insegura e tem medo de sofrer”
- Subordinação do intelecto: Aqui, o intelectual se subordina completamente ao emocional. Uma vez que uma mesma situação não poder se repetir indefinidamente dentro de uma primeira ou segunda fases, o indivíduo passa a subordinar o próprio intelecto às suas necessidades emocionais. É o momento em que seus valores finalmente passam a ser distorcidos para que possam se adequar à situação em que se encontra: “Ela tem muitos amigos homens que vivem abraçando ela e tentando beijá-la. Tenho sorte de estar com uma mulher tão querida e cobiçada, ao invés de uma chata sem amigos que só vive me enchendo o saco. Devo ser bem invejado. Ainda bem sou seguro e confio no meu taco”.
Dessa forma, tudo concorre para o favorecimento de fortes crenças relativas à integridade da mulher – em alguns casos, daquela que idealiza; em outros, de toda mulher – o que é pior, uma vez que tal idealização, ao contrário do que muitos poderiam pensar, tem menos a ver com respeito e consideração pela mulher como indivíduo do que com um nivelamento em que afetações pseudo-românticas se prestam a um papel meramente estético, escondendo sob si uma espécie de sutil de objetificação, uma vez que o individual é inconscientemente ignorado.
Acreditando com todas as forças que toda mulher – ou pelo menos aquela que idealiza – é um ser angelical, livre de falhas e perfeito em cada molécula de seu ser, tal matrixiano logo poderá se encontrar preso pelas correntes de tal Matrix, cujos ganchos tantas vezes lhe parecerão capazes de perfurar a carne e a alma, inebriando seus sentidos e podendo afundá-lo em uma espécie de abismo emocional, onde, cercado de intenso sofrimento, se permite ser carregado por uma onda de devastação, arruinando a própria vida por migalhas de um amor que talvez nunca tenha existido. Essas ilusões são tão tentadoras que até mesmo os atos mais pérfidos, capazes de refletir o pior que pode haver numa pessoa, são ignorados – afinal, é quase impossível dar as costas para uma doce ilusão, mesmo quando nos encontramos conscientes do absurdo presente na mesma.
O indivíduo atolado nesta matrix acaba por despir-se de sua honra, de seu orgulho e, enfim, de seu amor próprio. É capaz de se humilhar, se rebaixar e se entregar ao sofrimento com a mesma coragem e convicção com que um mártir caminha para o próprio sacrifício. Assim, tal sofrimento causado por esta Matrix também pode ser capaz de ofuscar os objetivos e ambições de um homem (e também de uma mulher). Muitas vezes, este matrixiano se deixa levar pelas paixões mais profanas tendo em vista um único objetivo: o preenchimento de um vazio existencial à partir da ilusão (tão comum hoje) de se sentir “vivo” – infelizmente, tal sensação acaba por ser obtida através da dor sem sentido.
No coletivo, essa matrix costuma ser reforçada por filmes, livros, músicas, poemas e frases de impacto que colocam o amor não retribuído acima do amor próprio. Músicas que idolatram o feminino, a paixão divorciada do amor, as sensações superficiais, cujas letras passam uma mensagem de que é “melhor sofrer por amor do que nunca ter amado” e filmes onde a mulher traí o homem e, ainda assim, terminam com a cena clichê do apaixonado correndo atrás dela no aeroporto são apenas alguns exemplos.
Mulheres não são seres angelicais e perfeitos (ora, ninguém o é). Assim como todo ser humano, a mulher também tem seu lado ruim, que, em muitos casos, pode ser ainda mais sombrio e intenso que o do homem. Também é necessário entender que elas não são necessariamente mais sensíveis que os homens, como costumamos acreditar. Às vezes, a sensibilidade feminina pode não passar de uma máscara, ou mesmo, em certos casos, uma forma de lograr com o instinto de proteção masculino. Desde cedo uma mulher pode aprender, por meio de observação e prática, que às vezes basta uma voz suave para conseguir muito de um homem (e até mesmo de outra mulher). E, se não conseguem com uma voz doce, talvez possam conseguir com o choro (se tudo falhar, ainda existe a sedução). Homens, ao contrário, costumam ser obrigados, desde cedo, a se fecharem internamente: qualquer demonstração de sentimento pode ser ridicularizada e interpretada como fraqueza emocional – até mesmo por aquelas mulheres que parecem mais doces e sensíveis. Um homem que chora pode ser considerado desequilibrado e, não raro, até mesmo fresco – isso se não for visto como chantagista e manipulador. Por esses e outros motivos, os homens, ainda em tenra idade, aprendem a controlar melhor seus sentimentos – o que não significa que não os tenha.