28-12-2022, 02:33 PM
Meus Caros, eu gostaria de levantar aqui o tema da importância extraordinária que a Literatura possui.
Mas não sou capaz de fazê-lo com profundidade porque não tenho vocabulário e conhecimentos o suficientes para isso.
Então terei que apelar para trechos de textos de alguém que pode isso fazer: o Olavo de Carvalho.
Por favor leiam!
[1] “O domínio da língua e da literatura é a condição prévia para TODOS os estudos superiores, inclusive os estudos da área cientifica. Se você não tem a sensibilidade literária suficientemente aguçada, dificilmente entenderá o que quer que seja.”
___
[2] “Conselho urgente: Pare de ler livros em inglês por algum tempo e leia tudo o que puder da melhor literatura em português. Depois leia o que puder em línguas aparentadas ao português: francês, italiano, espanhol. Sem um agudo senso da linguagem literária, você nunca vai entender em profundidade nada do que lê, por mais que estude filosofia, ciências sociais, direito ou o que quer que seja. Nenhum filósofo jamais escreveu uma só linha que fosse para um público sem cultura literária ou treinado somente em academês vulgar. E ninguém jamais adquiriu sensibilidade literária lendo predominantemente livros escritos numa língua muito diferente da sua própria.”
___
[3] “Quem não consegue interpretar uma obra de literatura corretamente não conseguirá jamais entender os fatos da história e da sociedade, ou mesmo os da sua própria vida. A cultura literária é a condição mais básica do entendimento. Mas estou com o saco cheio de ver pessoas que não sabem ler “Batatinha quando nasce” interpretando nada menos que a Bíblia.”
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[4] “Pessoas que escrevem mal percebem mal, retêm mal, e com a maior facilidade se enganam a si mesmas quanto às suas intenções simplesmente trocando os nomes dos sentimentos que as movem. A literatura e o conhecimento da alma humana sempre andaram juntos. Ninguém pode apreender nuances e sutilezas da vida emocional com uma linguagem tosca, mesmo que gramaticalmente correta.”
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[5] “A imaginação tem que ser treinada para ela se tornar um instrumento de compreensão da Realidade e não uma atividade ociosa que vai fazer você ficar especulando sobre coisas que não vão acontecer jamais, que não têm a menor possibilidade e que são somente um jogo. A Grande Literatura do mundo contém um material que, para o estudante de Filosofia, é absolutamente precioso. A Literatura é uma maneira de você amadurecer na sua visão da Realidade. Claro que, pelos processos atuais de ensino da Literatura nas universidades, a experiência imaginativa pode se tornar totalmente impossível. Impossível. Porque, vamos dizer, quando você lê Dostoievski, Tolstoi, Shakespeare, você está tendo acesso ao que essas grandes mentalidades conceberam sobre as possibilidades da vida humana. Agora, se você começa a encarar aquilo apenas como estrutura textual, começa a encarar aquilo sob o ponto de vista estruturalista ou desconstrucionista etc., o elemento de experiência sumiu. Então aquilo não é mais um espelho da vida.”
___
[6] ”A literatura não é compreensão das ciências, nem da sociedade, nem de nenhuma coisa em particular, mas simplesmente experiência acumulada e narrada da vida. É assim porque em nossa individualidade não podemos viver todas as experiências. Noventa e nove por cento das nossas experiências são experiências acumuladas dos outros, que nós ouvimos falar, que nós lemos… E a literatura é o núcleo, é o que tem de melhor sobre a experiência humana. São aspectos altamente significativos da experiência humana condensados em símbolos e que você toma como se fossem pílulas. A literatura de ficção é isto: a aquisição de experiências humanas e dos meios de simbolizá-las, de narrá-las, pois ter a experiência apenas não basta. Nós precisamos narrar a experiência não apenas para os outros, mas também para que a experiência torne-se pensável para nós, com o objetivo de dominá-la intelectualmente. O indivíduo que leu dez, vinte, cem, mil narrativas ficcionais como romances, peças de teatro etc narrará as suas experiências para os outros e para ele mesmo de um modo muito mais claro e direto. Por outro lado, uma pessoa inculta não sabe narrar precisamente as suas experiências. A pessoa inculta toma a sua história e a reduz a uma história parecida e mais simples, mas nunca a toma com a devida precisão. É por isso que quanto mais inculta é a pessoa mais letais são para ela os problemas psicológicos. Dramas que um homem culto consideraria como ridículos levam um homem inculto ao suicídio. Por que os crimes passionais são em muito maior número nas classes incultas? Porque essas pessoas não sabem lidar com o problema, não possuem meios de elaborar intelectualmente o drama. Nem elas e nem o seu meio social. Então tudo vira tragédia”.
____
[7] “Cultura pessoal não é você ler um monte de livros, não é ser capaz de falar sobre arte, sobre filosofia, sobre história, etc., mas é você ter um conjunto de equipamentos que permita a você olhar a situação real, tanto a situação pessoal quanto a da comunidade imediata, quanto a de um país, quanto a do mundo inteiro com uma multiplicidade de perspectivas que validem a sua visão perante a consciência de outras épocas e de outras civilizações.”
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[8] “Cultura literária não é ler muitas obras de literatura. É absorver delas, e incorporar na nossa própria alma as inumeráveis superfícies refletoras com que, pela imaginação de muitas vidas possíveis, elas nos ajudam a perceber e compreender a alma alheia.
Quem não quer fazer o esforço para adquirir essa capacidade não tem NENHUM interesse em compreender o seu próximo, e toda a sua presunção de “amá-lo” é pura pose.”
___
[9] “A aquisição da alta cultura é o único meio que você tem para ter uma conduta moral que preste. Fora disso, você está no mundo da irresponsabilidade moral. Por exemplo, existe um escritor inglês Frank Raymond Leavis, que dedicou sua vida a mostrar para as pessoas que a literatura de ficção é uma meditação sobre as possibilidades da vida moral humana. Na medida em que concebe enredos e situações possíveis, você está pesando um nível de responsabilidade moral que está presente na infinidade das situações humanas mais particulares e até indescritíveis. Ora, São Tomás de Aquino dizia que o «grande problema da moral é que a regra é a mesma, mas as situações são infinitamente variadas». Então, você não sabe como entender a regra geral em relação a cada situação. Ao mesmo tempo, você não pode viver todas as situações humanas, mas pode imaginá-las. Você pode ampliar o seu imaginário até ser capaz de compreender as situações humanas, as mais diferentes possíveis, e as mais afastadas da sua experiência imediata. Como é que nós fazemos isso? Por imaginação e pela literatura de ficção. Sem isso você simplesmente não compreende as situações. Não compreende a delicadeza e a subtileza das situações. Se você não compreende a delicadeza e a subtileza das situações, você vai julgar os seres humanos mediante uma projeção ingênua da sua própria pessoa sobre eles, sem entender exatamente o que está se passando com eles.(…)
Vivenciar imaginativamente as mais variadas possibilidades de vida humanas, de situações humanas, de dramas humanos, de conflitos humanos, é o aprimoramento da sua imaginação moral, e não há outro instrumento para isso. Portanto, a grande literatura tem uma função eminentemente educativa e, pior: só ela tem essa função educativa. O simples raciocínio lógico, moral, não serve para isso. Mesmo as obras de filosofia moral e de teologia moral mais sublimes que existem, não servem para isso; por exemplo, uma grande obra-prima como a “Teologia Moral” de Santo Afonso de Ligório, são oito volumes onde ele vai estudando as mais diferentes situações. Santo Afonso de Ligório era bastante detalhado, mas em comparação com a variedade real das situações humanas, aquilo é nada. Ou seja: o pensamento lógico jamais poderia abranger a totalidade da situações, é necessário uma imaginação poderosa, porque através da imaginação você se identifica com os outros.(…)
Porém, o tempo que eu vejo as pessoas perdendo, fazendo julgamentos morais sobre coisas que não entendem, é um negócio terrível. Então, por que em vez de fazer julgamentos morais, se tem tanto interesse em moralidade, você não tenta ampliar a sua percepção moral através da leitura ds grandes obras de literatura? Não há uma grande narrativa, romance, conto, novela, peça de teatro que não seja baseada num conflito moral. Pelo número de romances, contos, novelas e peças de teatro existentes, você imagina o número de conflitos morais diferentes que podem existir.Você tem a solução de todos eles na cabeça? Não.”
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[10] “Cada personagem, cada situação ficcional, cada emoção, cada ambigüidade e cada paradoxo da narrativa tem de se impregnar na sua mente como possibilidade humana concreta, reconhecivel na vida real — na sua própria e na das pessoas que você conhece. Tem de se transformar num ÓRGÃO DE PERCEPÇÃO.
Só assim a leitura literária vale a pena e tem verdadeiro poder educativo. Faça isso com obras da literatura dos dois últimos séculos durante alguns anos, e depois você lerá a Bíblia com olhos mais penetrantes.
É preciso evitar, naquelas, todo tecnicismo acadêmico e, nesta, toda especulação teológica. Não ‘analise’ o texto, apenas guarde os conteúdos na memória até que eles próprios comecem a lhe mostrar o que desejam lhe mostrar.
Análises técnicas e especulações teológicas, só muitos anos depois de ter assimilado muitos textos dessa maneira. Antes, não.
Leia tudo como se fosse narrativa de acontecimentos reais, sentindo intensamente a presença das situações, personagens, conflitos, etc. Acredite em tudo como se estivesse vendo com os próprios olhos ou vivenciando você mesmo as situações.
Com essa prática, aos poucos as histórias da Bíblia se tornarão tão transparentes para você como se fossem notícias de hoje em dia, sem que você precise “interpretá-las”.
___
[11] É preciso ler a Bíblia sem a carga de lições morais e teológicas que geralmente antecedem e deformam a sua leitura. É preciso lê-la como se você estivesse VENDO tudo se passar diante dos seus olhos ou mesmo sentindo na carne como se você fosse um dos personagens. Mas você não conseguirá fazer isso com a Bíblia se antes não fizer o mesmo com MUITAS histórias da literatura simplesmente humana.
Tem muita gente que discute Bíblia o dia inteiro e até hoje não entendeu isso.”
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[12] “Por que o sujeito que estuda muita literatura é um homem culto e o homem que estuda muita física, muita matemática (ou quaisquer outras disciplinas especializadas) não é?
Em primeiro lugar, todas as descobertas científicas se refletem na literatura de algum modo. Então, o sujeito que lê bastante literatura algo ele sabe da teoria da relatividade, da teoria quântica e da influência da física na sociedade. Contudo, nada da literatura universal está referido nos livros de física. Assim, lendo literatura ele saberá algo de física, mas lendo física ele não conhecerá a literatura. Essa é a primeira observação de ordem mais prática e imediata.
Em segundo lugar, a literatura usa a linguagem corrente entre as pessoas. Ela procura repetir o estado da linguagem na sociedade (…) A linguagem que é utilizada pelo escritor é a linguagem da própria sociedade, ao passo que a linguagem da física não é a linguagem da sociedade, é somente a linguagem dos físicos. Isso quer dizer que o homem que absorveu cultura literária tem os instrumentos linguísticos para dialogar com a sociedade. A literatura lhe dá isso. Mas o estudo da física, da química, não vai lhe dar isso de maneira alguma.
Em terceiro lugar, os assuntos abordados pela literatura são assuntos de interesse geral: a vida humana, o destino humano, os dramas humanos. Todo mundo tem vida, destino e dramas, incluindo os físicos. Ao passo que os problemas abordados pelos físicos, ainda que estejam presentes na sociedade, não fazem necessariamente parte da consciência das pessoas. O teu desconhecimento acerca das partículas subatômicas não afetará fundamentalmente as tuas decisões na vida. Mas problemas referentes ao amor, à morte, ao ódio, à tristeza, ao casamento, às relações humanas todo mundo tem. Então de cara o assunto do qual a literatura trata é a vida de todo mundo, e não a vida de um grupo especializado.
Em quarto lugar, repare no seguinte: alguma forma de literatura narrativa é encontrada em todas as culturas, mesmo nas mais primitivas. Ao passo que outros departamentos do conhecimento, como, digamos, uma técnica matemática mais avançada, são encontrados somente em algumas. Mas a cultura narrativa é onipresente. E, sendo onipresente, nós podemos dizer que ela é a primeira e mais básica forma de cultura”.
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[13] ”Na leitura de um romance ou de uma peça o negócio é você tentar primeiro estabelecer comunicação com o autor. O resto vem depois. Mas os convites para você desviar a atenção do essencial são inúmeros. Porque como você está lidando com uma história que é uma especulação sobre as possibilidades da vida humana, o autor dessa história, pensando bem, está falando de uma coisa muito grave e que diz respeito a você. É o famoso adágio latino ‘De te fabula narratur’, ou seja, a história contada é a sua. Para entender isso você precisa estar num estado de abertura do próprio coração, numa abertura de sinceridade. Acontece que essa atitude cria uma tensão, um nervosismo. E você pode tentar aliviar essa tensão baixando a qualidade da sua atenção para os aspectos lógicos ou verbais da narrativa para você sentir que saiu da história, que ela não é mais a seu respeito. Você corta o fio que te liga à situação real. Daí é evidente que você não está entendendo mais nada.
A contradição e a tensão são as marcas do personagem real. E se são as marcas do personagem real, quer dizer que a atitude do leitor também precisa ser de tensão. Essa tensão será a marca da consciência. E o estudo literário ou é um treinamento da consciência, para que ela seja capaz de abarcar uma extensão cada vez maior e mais complexa de dados, ou é uma brincadeira universitária. Isto que eu estou dizendo está a tantas léguas da preocupação de qualquer ensino universitário no Brasil que eu nem sei se entenderiam do que eu estou falando. Isto que até os anos 60-70 seria facilmente compreendido em qualquer meio universitário, hoje não dá mais. Claro que os estudos que não implicam tensão de consciência mas apenas QI podem ser feitos por qualquer pessoa independentemente do seu grau de consciência e maturidade. Porque habilidades parciais são uma coisa e consistência da personalidade é outra. Mas a verdadeira educação visa ao indivíduo real enquanto sujeito de seus atos, moralmente responsável e eventualmente culpado. Então não há educação possível sem a ideia da responsabilidade e da culpa, e sem essa tensão de consciência da qual estou falando”.
Mas não sou capaz de fazê-lo com profundidade porque não tenho vocabulário e conhecimentos o suficientes para isso.
Então terei que apelar para trechos de textos de alguém que pode isso fazer: o Olavo de Carvalho.
Por favor leiam!
[1] “O domínio da língua e da literatura é a condição prévia para TODOS os estudos superiores, inclusive os estudos da área cientifica. Se você não tem a sensibilidade literária suficientemente aguçada, dificilmente entenderá o que quer que seja.”
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[2] “Conselho urgente: Pare de ler livros em inglês por algum tempo e leia tudo o que puder da melhor literatura em português. Depois leia o que puder em línguas aparentadas ao português: francês, italiano, espanhol. Sem um agudo senso da linguagem literária, você nunca vai entender em profundidade nada do que lê, por mais que estude filosofia, ciências sociais, direito ou o que quer que seja. Nenhum filósofo jamais escreveu uma só linha que fosse para um público sem cultura literária ou treinado somente em academês vulgar. E ninguém jamais adquiriu sensibilidade literária lendo predominantemente livros escritos numa língua muito diferente da sua própria.”
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[3] “Quem não consegue interpretar uma obra de literatura corretamente não conseguirá jamais entender os fatos da história e da sociedade, ou mesmo os da sua própria vida. A cultura literária é a condição mais básica do entendimento. Mas estou com o saco cheio de ver pessoas que não sabem ler “Batatinha quando nasce” interpretando nada menos que a Bíblia.”
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[4] “Pessoas que escrevem mal percebem mal, retêm mal, e com a maior facilidade se enganam a si mesmas quanto às suas intenções simplesmente trocando os nomes dos sentimentos que as movem. A literatura e o conhecimento da alma humana sempre andaram juntos. Ninguém pode apreender nuances e sutilezas da vida emocional com uma linguagem tosca, mesmo que gramaticalmente correta.”
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[5] “A imaginação tem que ser treinada para ela se tornar um instrumento de compreensão da Realidade e não uma atividade ociosa que vai fazer você ficar especulando sobre coisas que não vão acontecer jamais, que não têm a menor possibilidade e que são somente um jogo. A Grande Literatura do mundo contém um material que, para o estudante de Filosofia, é absolutamente precioso. A Literatura é uma maneira de você amadurecer na sua visão da Realidade. Claro que, pelos processos atuais de ensino da Literatura nas universidades, a experiência imaginativa pode se tornar totalmente impossível. Impossível. Porque, vamos dizer, quando você lê Dostoievski, Tolstoi, Shakespeare, você está tendo acesso ao que essas grandes mentalidades conceberam sobre as possibilidades da vida humana. Agora, se você começa a encarar aquilo apenas como estrutura textual, começa a encarar aquilo sob o ponto de vista estruturalista ou desconstrucionista etc., o elemento de experiência sumiu. Então aquilo não é mais um espelho da vida.”
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[6] ”A literatura não é compreensão das ciências, nem da sociedade, nem de nenhuma coisa em particular, mas simplesmente experiência acumulada e narrada da vida. É assim porque em nossa individualidade não podemos viver todas as experiências. Noventa e nove por cento das nossas experiências são experiências acumuladas dos outros, que nós ouvimos falar, que nós lemos… E a literatura é o núcleo, é o que tem de melhor sobre a experiência humana. São aspectos altamente significativos da experiência humana condensados em símbolos e que você toma como se fossem pílulas. A literatura de ficção é isto: a aquisição de experiências humanas e dos meios de simbolizá-las, de narrá-las, pois ter a experiência apenas não basta. Nós precisamos narrar a experiência não apenas para os outros, mas também para que a experiência torne-se pensável para nós, com o objetivo de dominá-la intelectualmente. O indivíduo que leu dez, vinte, cem, mil narrativas ficcionais como romances, peças de teatro etc narrará as suas experiências para os outros e para ele mesmo de um modo muito mais claro e direto. Por outro lado, uma pessoa inculta não sabe narrar precisamente as suas experiências. A pessoa inculta toma a sua história e a reduz a uma história parecida e mais simples, mas nunca a toma com a devida precisão. É por isso que quanto mais inculta é a pessoa mais letais são para ela os problemas psicológicos. Dramas que um homem culto consideraria como ridículos levam um homem inculto ao suicídio. Por que os crimes passionais são em muito maior número nas classes incultas? Porque essas pessoas não sabem lidar com o problema, não possuem meios de elaborar intelectualmente o drama. Nem elas e nem o seu meio social. Então tudo vira tragédia”.
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[7] “Cultura pessoal não é você ler um monte de livros, não é ser capaz de falar sobre arte, sobre filosofia, sobre história, etc., mas é você ter um conjunto de equipamentos que permita a você olhar a situação real, tanto a situação pessoal quanto a da comunidade imediata, quanto a de um país, quanto a do mundo inteiro com uma multiplicidade de perspectivas que validem a sua visão perante a consciência de outras épocas e de outras civilizações.”
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[8] “Cultura literária não é ler muitas obras de literatura. É absorver delas, e incorporar na nossa própria alma as inumeráveis superfícies refletoras com que, pela imaginação de muitas vidas possíveis, elas nos ajudam a perceber e compreender a alma alheia.
Quem não quer fazer o esforço para adquirir essa capacidade não tem NENHUM interesse em compreender o seu próximo, e toda a sua presunção de “amá-lo” é pura pose.”
___
[9] “A aquisição da alta cultura é o único meio que você tem para ter uma conduta moral que preste. Fora disso, você está no mundo da irresponsabilidade moral. Por exemplo, existe um escritor inglês Frank Raymond Leavis, que dedicou sua vida a mostrar para as pessoas que a literatura de ficção é uma meditação sobre as possibilidades da vida moral humana. Na medida em que concebe enredos e situações possíveis, você está pesando um nível de responsabilidade moral que está presente na infinidade das situações humanas mais particulares e até indescritíveis. Ora, São Tomás de Aquino dizia que o «grande problema da moral é que a regra é a mesma, mas as situações são infinitamente variadas». Então, você não sabe como entender a regra geral em relação a cada situação. Ao mesmo tempo, você não pode viver todas as situações humanas, mas pode imaginá-las. Você pode ampliar o seu imaginário até ser capaz de compreender as situações humanas, as mais diferentes possíveis, e as mais afastadas da sua experiência imediata. Como é que nós fazemos isso? Por imaginação e pela literatura de ficção. Sem isso você simplesmente não compreende as situações. Não compreende a delicadeza e a subtileza das situações. Se você não compreende a delicadeza e a subtileza das situações, você vai julgar os seres humanos mediante uma projeção ingênua da sua própria pessoa sobre eles, sem entender exatamente o que está se passando com eles.(…)
Vivenciar imaginativamente as mais variadas possibilidades de vida humanas, de situações humanas, de dramas humanos, de conflitos humanos, é o aprimoramento da sua imaginação moral, e não há outro instrumento para isso. Portanto, a grande literatura tem uma função eminentemente educativa e, pior: só ela tem essa função educativa. O simples raciocínio lógico, moral, não serve para isso. Mesmo as obras de filosofia moral e de teologia moral mais sublimes que existem, não servem para isso; por exemplo, uma grande obra-prima como a “Teologia Moral” de Santo Afonso de Ligório, são oito volumes onde ele vai estudando as mais diferentes situações. Santo Afonso de Ligório era bastante detalhado, mas em comparação com a variedade real das situações humanas, aquilo é nada. Ou seja: o pensamento lógico jamais poderia abranger a totalidade da situações, é necessário uma imaginação poderosa, porque através da imaginação você se identifica com os outros.(…)
Porém, o tempo que eu vejo as pessoas perdendo, fazendo julgamentos morais sobre coisas que não entendem, é um negócio terrível. Então, por que em vez de fazer julgamentos morais, se tem tanto interesse em moralidade, você não tenta ampliar a sua percepção moral através da leitura ds grandes obras de literatura? Não há uma grande narrativa, romance, conto, novela, peça de teatro que não seja baseada num conflito moral. Pelo número de romances, contos, novelas e peças de teatro existentes, você imagina o número de conflitos morais diferentes que podem existir.Você tem a solução de todos eles na cabeça? Não.”
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[10] “Cada personagem, cada situação ficcional, cada emoção, cada ambigüidade e cada paradoxo da narrativa tem de se impregnar na sua mente como possibilidade humana concreta, reconhecivel na vida real — na sua própria e na das pessoas que você conhece. Tem de se transformar num ÓRGÃO DE PERCEPÇÃO.
Só assim a leitura literária vale a pena e tem verdadeiro poder educativo. Faça isso com obras da literatura dos dois últimos séculos durante alguns anos, e depois você lerá a Bíblia com olhos mais penetrantes.
É preciso evitar, naquelas, todo tecnicismo acadêmico e, nesta, toda especulação teológica. Não ‘analise’ o texto, apenas guarde os conteúdos na memória até que eles próprios comecem a lhe mostrar o que desejam lhe mostrar.
Análises técnicas e especulações teológicas, só muitos anos depois de ter assimilado muitos textos dessa maneira. Antes, não.
Leia tudo como se fosse narrativa de acontecimentos reais, sentindo intensamente a presença das situações, personagens, conflitos, etc. Acredite em tudo como se estivesse vendo com os próprios olhos ou vivenciando você mesmo as situações.
Com essa prática, aos poucos as histórias da Bíblia se tornarão tão transparentes para você como se fossem notícias de hoje em dia, sem que você precise “interpretá-las”.
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[11] É preciso ler a Bíblia sem a carga de lições morais e teológicas que geralmente antecedem e deformam a sua leitura. É preciso lê-la como se você estivesse VENDO tudo se passar diante dos seus olhos ou mesmo sentindo na carne como se você fosse um dos personagens. Mas você não conseguirá fazer isso com a Bíblia se antes não fizer o mesmo com MUITAS histórias da literatura simplesmente humana.
Tem muita gente que discute Bíblia o dia inteiro e até hoje não entendeu isso.”
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[12] “Por que o sujeito que estuda muita literatura é um homem culto e o homem que estuda muita física, muita matemática (ou quaisquer outras disciplinas especializadas) não é?
Em primeiro lugar, todas as descobertas científicas se refletem na literatura de algum modo. Então, o sujeito que lê bastante literatura algo ele sabe da teoria da relatividade, da teoria quântica e da influência da física na sociedade. Contudo, nada da literatura universal está referido nos livros de física. Assim, lendo literatura ele saberá algo de física, mas lendo física ele não conhecerá a literatura. Essa é a primeira observação de ordem mais prática e imediata.
Em segundo lugar, a literatura usa a linguagem corrente entre as pessoas. Ela procura repetir o estado da linguagem na sociedade (…) A linguagem que é utilizada pelo escritor é a linguagem da própria sociedade, ao passo que a linguagem da física não é a linguagem da sociedade, é somente a linguagem dos físicos. Isso quer dizer que o homem que absorveu cultura literária tem os instrumentos linguísticos para dialogar com a sociedade. A literatura lhe dá isso. Mas o estudo da física, da química, não vai lhe dar isso de maneira alguma.
Em terceiro lugar, os assuntos abordados pela literatura são assuntos de interesse geral: a vida humana, o destino humano, os dramas humanos. Todo mundo tem vida, destino e dramas, incluindo os físicos. Ao passo que os problemas abordados pelos físicos, ainda que estejam presentes na sociedade, não fazem necessariamente parte da consciência das pessoas. O teu desconhecimento acerca das partículas subatômicas não afetará fundamentalmente as tuas decisões na vida. Mas problemas referentes ao amor, à morte, ao ódio, à tristeza, ao casamento, às relações humanas todo mundo tem. Então de cara o assunto do qual a literatura trata é a vida de todo mundo, e não a vida de um grupo especializado.
Em quarto lugar, repare no seguinte: alguma forma de literatura narrativa é encontrada em todas as culturas, mesmo nas mais primitivas. Ao passo que outros departamentos do conhecimento, como, digamos, uma técnica matemática mais avançada, são encontrados somente em algumas. Mas a cultura narrativa é onipresente. E, sendo onipresente, nós podemos dizer que ela é a primeira e mais básica forma de cultura”.
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[13] ”Na leitura de um romance ou de uma peça o negócio é você tentar primeiro estabelecer comunicação com o autor. O resto vem depois. Mas os convites para você desviar a atenção do essencial são inúmeros. Porque como você está lidando com uma história que é uma especulação sobre as possibilidades da vida humana, o autor dessa história, pensando bem, está falando de uma coisa muito grave e que diz respeito a você. É o famoso adágio latino ‘De te fabula narratur’, ou seja, a história contada é a sua. Para entender isso você precisa estar num estado de abertura do próprio coração, numa abertura de sinceridade. Acontece que essa atitude cria uma tensão, um nervosismo. E você pode tentar aliviar essa tensão baixando a qualidade da sua atenção para os aspectos lógicos ou verbais da narrativa para você sentir que saiu da história, que ela não é mais a seu respeito. Você corta o fio que te liga à situação real. Daí é evidente que você não está entendendo mais nada.
A contradição e a tensão são as marcas do personagem real. E se são as marcas do personagem real, quer dizer que a atitude do leitor também precisa ser de tensão. Essa tensão será a marca da consciência. E o estudo literário ou é um treinamento da consciência, para que ela seja capaz de abarcar uma extensão cada vez maior e mais complexa de dados, ou é uma brincadeira universitária. Isto que eu estou dizendo está a tantas léguas da preocupação de qualquer ensino universitário no Brasil que eu nem sei se entenderiam do que eu estou falando. Isto que até os anos 60-70 seria facilmente compreendido em qualquer meio universitário, hoje não dá mais. Claro que os estudos que não implicam tensão de consciência mas apenas QI podem ser feitos por qualquer pessoa independentemente do seu grau de consciência e maturidade. Porque habilidades parciais são uma coisa e consistência da personalidade é outra. Mas a verdadeira educação visa ao indivíduo real enquanto sujeito de seus atos, moralmente responsável e eventualmente culpado. Então não há educação possível sem a ideia da responsabilidade e da culpa, e sem essa tensão de consciência da qual estou falando”.