INTRODUÇÃO
LIVRO I
Como podemos perceber, o livro 1 das meditações são agradecimentos de Marco Aurélio a diversos mentores que ele teve ao longo da sua vida. Em especial ao seu pai adotivo, o imperador ao qual ele sucedeu,
Antonino Pio. Ao analisar a história da Roma antiga, o século dos Antoninos foi aquele em que as atividades intelectuais foram vistas como essências na vida do império, sendo assim, com Marco não seria diferente.O ideal básico que norteava a definição de como deveria ser a sociedade romana, Marco herdou de Antonino, que era um defensor ferrenho das tradições do
Espírito Romano, favorecendo a livre ação das instituições que estavam ligadas a ideias de
libertas e de
aequalitas. E aqui devemos ser cuidadosos na compreensão destes termos, que evidentemente eram muito diferentes do sentido ao qual é empregado na sociedade atualmente.
“Um dos princípios fundamentais da vida social em Roma, desde os tempos mais remotos, baseava-se numa ficção a que todos os espíritos se ligavam –
o sentimento que as diferenças objetivas de riqueza, sabedoria e influencia não passavam de acidentes da Fortuna”. Marco cresceu entendendo perfeitamente que o que diferencia o príncipe dos outros cidadãos é, antes de mais nada, as OBRIGAÇÕES que a sua condição lhe impõe, mais que os prazeres que ela pode proporcionar". Essa ideia fundamental no seu reinado, e que foi sistematicamente esquecido nos anos de declínio do império, bem como ainda mais evidentemente na sociedade atual, pode ser o primeiro ponto onde podemos obter
insgths importantes e uma profunda reflexão acerca da nossa função como seres sociais.
Nota: "Fortuna" era uma divindade que hoje poderia ser entendida como destino, providência.
Lembro de um vídeo onde o professor Olavo fala sobre os títulos acadêmicos. Que hoje, especialmente no brasil – e isso é muito fácil de se confirmar –
título acadêmico virou simplesmente um sinal de status. Porém as obrigações que esse
status requer, são esquecidas. A partir do momento que você passa a ser chamado de
doutor, ou seja, que você adquire essa designação social parente os seus semelhantes,
você terá um DEVER e uma RESPONSABILIDADE a ser cumprida. O seu título significa que você tem a OBRIGAÇÃO de resolver problemas de outras pessoas, e consequentemente será remunerado de alguma maneira por isso. Ou seja, antigamente as pessoas procuravam uma faculdade porque tinham uma vocação, um desejo de se tornar conhecedor de algum saber para sanar o desejo de solucionar algum problema, para dar vasão a próprias criatividade.
Porém, hoje os jovens que saem da
“facul” se achando as pessoas mais incríveis e superiores da toda história da humanidade, esperam obter apenas as vantagens conceituais de ser chamado de doutor,
resolver problemas é uma outra questão que geralmente nunca sequer passou na cabeça destes. Além de não haver um conhecimento prático que justifique o título alcançado, o jovem de hoje simplesmente não se sente RESPONSÁVEL por nada, não sente que tem uma dívida com a sociedade e que as pessoas esperam algo dele. Você que está lendo isso no fórum, entenda que a partir do momento que você se torna um soldado aqui – lembre-se, o Legado Realista tem esse nome justamente porque é baseado nos princípios fundamentais da Roma antiga – você tem a OBRIGAÇÃO de retribuir com a comunidade de alguma forma,
da mesma forma que quando você adquirir o seu tão sonhado título acadêmico seja lá do que for, você terá SIM a obrigação de retribuir de alguma forma na sociedade. Acredite, concretizar esse ideal vai te livrar de muito sofrimento psicológico. O varão contemporâneo anda tão deprimido e ansioso, porque se vê como uma célula desconecta da sociedade, nãos percebe-se como parte de um todo maior, diretamente dependente e responsável por esse todo. O egoísmo reina, principalmente entre aqueles com mais títulos, e assim, o âmago do espirito humano vais sendo vilipendiado.
Percebam que o primeiro conceito filosófico importante do imperador do mundo conhecido naquela época, era que ele tinha, antes de qualquer coisa,
uma DIVIDA COM A SOCIEDADE. Essa é, sem dúvidas, uma ideologia e visão ampla muito diferente da que encontramos na maioria dos imperadores em toda a história, e como veremos foi um dos grandes diferencias de Marco Aurélio. Com essa mentalidade de pano de fundo, o estoicismo e a filosofia teriam terreno fértil para se desenvolver de uma maneira fascinante.
Ao recordarmos das personificações dos imperadores de Roma, é evidente que eles possuíam, ou melhor, eram representados de uma maneira que o desejo que a humanidade sempre teve – especialmente entre os Gregos, os quais inspiravam toda a base da moral Romana - de unir o divino com o humano pudesse ser personificado. Vemos nas obras de arte feitas de Júlio César, Trajano, Adriano, Claudio entre outros, a imagem do trinfo, da glória e poder muito acima do ser humano comum, e em Marco Aurélio também foi imbuída esse essa imagem triunfal de imperador-deus.
“Sem dúvida, a idealização do príncipe é uma tradição muito antiga, que remonta às efígies reais helenísticas e que tinha sido retomada pelos Júlio-Claudianos,
mas o contraste entre o príncipe ideal e o da realidade assume, com Marco Aurélio, uma significação mais profunda, que talvez as Meditações nos permitam descobrir. Essa carne que mascara a alma é uma parcela da matéria de que é feito o universo; é conhecida por algum tempo; é passageira, logo, de pouca importância O que importa, o que escapa ao tempo, à velhice, à decrepitude,
é o deus interior, o
demônio que vive em nós e anima o nosso corpo”. Como lemos no livro III, 5:
“O deus que há dentro de ti deve presidir sobre um ser que seja viril e maduro, homem de estado, romano e soberano; um homem que não ceda terreno, qual soldado à espera do sinal de retirada do campo de batalha da vida, pronto a dar as boas-vindas ao seu alívio;” – reflitam sobre esse trecho, mergulhem de cabeça na profundidade que essas palavras e observem como ele pode renovar as esperanças do nosso espírito masculino que é tão judiado e esculachado hoje em dia.
NOTA: “
Demônio” (
daimom) tinha uma conotação diferente do que temos hoje. Seria como o nosso instinto natural, nossa intuição ou a personificação das características da natureza humana, como ira, desejo, etc.
Esses relevos, que hoje poderíamos considerar como instrumentos de propaganda, de fato contém uma mensagem política, é verdade, mas também a expressão de certa filosofia –
a do próprio Marco Aurélio. “Os atos de um príncipe fazem história, porém os profundos motivos que o inspiraram e que se inscrevem numa visão total do universo transcendem o desenrolar dela”.
Como vermos, a “coletânea das Meditações, não foi concebida, em seu conjunto, como um livro ordenado, um tratado em regra. Também não se trata de uma diário, tanto que os acontecimentos cotidianos não são tratados ali.
Essas reflexões pertencem a vida PÚBLICA do príncipe, são coisas que dependem da Fortuna. A meditação filosófica dele se eleva muito acima do cotidiano: o campo da parte dirigente da alma é o mesmo que o do divino. Fica além do tempo. A anedota fica desprovida de importância. Aqui e ali, há uma impressão recente, um fato inspirado pelo cotidiano, porém nada que não tenha lugar nesse pensamento atemporal.” Marco acreditava profundamente que a filosofia era a única coisa que nos aproximava do que é eterno, do que é natural ou igual aos deuses, por isso a sua base filosófica foi de longe a sua característica mais importante. Apenas pela filosofia, ou seja, apenas o agir e pensar de um homem – razão - é que permanecerá, todo o resto é passageiro e efêmero, e Isso é um dos fundamentos básicos do estoicismo. Em certa altura, até acreditou-se num certo niilismo de Marco perante os eventos da vida, mas esse niilismo “não é resultado de um humor, é a expressão imagética meio viva do que constitui um dos primeiros procedimentos do estoicismo:
a crítica da opinião, a recusa de tudo que a imaginação acrescenta ao real.”
A filosofia estoica não se baseia numa opinião pura e simples, mas antes na intuição do ser, ou seja, o seu alinhamento com a natureza. Antes de se praticar um ato, deve-se perguntar: “o que de bom esse ato trará para as outras pessoas e para mim? Isso é fruto da razão pura os das impressões pessoais minhas sobre determinado assunto?" Sempre levado a questionar suas próprias impressões, Marco tinha o cuidado de não se precipitar em qualquer que fosse o assunto, assim como seu pai Antonino também havia sido cuidadoso nesse sentido. A glória pessoal para ele, não era algo importante, mas como veremos, características
viris ainda lhe eram caras.
Nota: Sobre razão pura seria interessante uma leitura de Inmanuel Kant.
Frontão foi um dos seus principais mentores, no sentido que ensinou-lhe a enaltecer uma de suas características pessoas mais importantes, a seriedade. Adotado por Antonino, era realmente um filho do rei, ou seja, bajulado por todo lado por todas as pessoas imagináveis, podia ter uma sem fim de diversões e prazeres, porém ele deplorava a solidão moral em que se encontraria, caso não tivesse Frontão para lhe dizer a verdade e ouvir dele a verdade. Podemos ler no ponto 11 do livro I: “Ao meu conselheiro Frontão devo a percepção de que a maldade, a astúcia e a má-fé acompanham o poder absoluto; e que as nossas famílias patrícias tendem, na sua maior parte, a carecer de sentimentos de humanidade”. Frontão também o prevenia contra os excessos de sua sensibilidade, o que poderia ter feito dele, uma vítima.
Nas bases de sua educação, desde menino, Marco tinha em mente que tudo existe para a utilidade, mais do que o prazer, ele recusava-se a ter ideias prontas bem como enaltecer ou disfarçar o seu pensamento. Ele possuía um espírito de independência, indiferente a posição que ocupava, que inclusive, como veremos, deve ter sido um dos principais motivos que o fez ser eleito como próximo Augusto, uma vez que estava muito, mas muito longe na linha de sucessão do imperador, mesmo depois de ter sido adotado. Inclusive esse fato é visto como um plano de Antonino, que desde muito cedo já havia notado as virtudes e superioridade moral de Marco perante os demais, o que levo-o a arquitetar a sua sucessão por ele. A Sua seriedade severa era vista como uma atitude rude muitas vezes, pois Marco absolutamente não se preocupava com os eventos sociais aos quais um homem na posição dele deveria participar. Com efeito, foi Frontão quem o ensinou essa arte de ser sempre cristalino nas usas ações e pensamentos.
Muitos anos depois, Marco definiria o que considerava que deveria ser (e sem dúvidas tinha sido) a sua linha de conduta:
“Decide com firmeza, a todas as horas, como romano e como homem, fazer tudo aquilo que te chegar às mãos com dignidade, e com humanidade, independência e justiça. Liberta o espírito de todas as outras considerações. Isto podes tu fazer se abordares cada ação como se fosse a última, pondo de lado o pensamento indócil, o recuo emocional das ordens da razão, o desejo de causar uma boa impressão, a admiração por ti próprio, a insatisfação pelo que te calhou em sorte. Vê o pouco que um homem precisa de dominar para que os seus dias fluam calma e devotadamente: ele apenas tem de observar estes poucos conselhos, e os deuses nada mais lhe pedirão”.
No próximo texto vou discorrer sobre a importância da aptidão física, que nessa época, bem como na Grécia antiga, era baseada sempre nas habilidades e gosto pela caça. Também discutiremos sobre as qualidades intelectuais e de eloquência que o imperador deveria ter.
Adônis é o mito de um fenomenal caçador